segunda-feira, 28 de abril de 2008

Sobre a BrOi , a nova super-tele

Reproduzo um artigo extenso da jornalista Janaina Leite sobre os bastidores do processo de privatização das telecomunicações. Minha posição pessoal é de defesa do sistema privado, e embora oartigo faça críticas procedentes até, em relação ao sistema ou o quê foi privatizado, o artigo esclarece com profundidade as arquitetações e conluios políticos que envolveram e envolvem a operação de fusão da Telemar e da Oi.

O acordo que permite aos sócios privados da Oi, a antiga Telemar, se tornarem donos da Brasil Telecom foi assinado há pouco no Rio de Janeiro. Nasce a BrOi, que eu chamo de Telezona, porque além de gigantesca, a nova empresa está sendo criada à revelia da lei.

O mais constrangedor é que a ilegalidade é, como sempre foi, abençoada pelo governo. A desculpa é a criação de uma supertele nacional. Mas não é preciso ser muito esperto para perceber que agradar grandes financiadores de campanha também pesou na balança do Planalto.

A compra resulta que Carlos Jereissati, dono da La Fonte, e Sérgio Andrade, da construtora Andrade Gutierrez, foram coroados os reizinhos das telecomunicações brasileiras. Também significa que o dono do Opportuntiy, Daniel Dantas, ficará pelo menos R$ 1 bilhão mais rico. Depois os caras-de-pau dizem que eu favoreço o banqueiro. Ridículos.

Em linhas gerais: Banco do Brasil e subsidiárias, GP, Citigroup e Opportunity deixam o setor de telefonia. O BNDES paga boa parte da conta, mas diminui a participação. Também encolhem os fundos de pensão ligados às estatais. La Fonte e Andrade Gutierrez se deram bem. Muito bem.

Agora é esperar e ver como o governo vai lidar com a imposição de metas. É o mínimo que pode fazer antes de essa "operação tropical" acabar sacramentada _ o que só acontecerá com a mudança da legislação.

A privatização da Telebrás, que resultou na divisão do sistema em várias empresas arrematadas por grupos estrangeiros e nacionais, completará dez anos no próximo 29 de julho. Jamais esquecerei aquele dia. O salto da bota quebrado que me fez passar o leilão descalça, o burburinho da redação, a comemoração no fim da noite por um trabalho de equipe perfeito.

De lá para cá, mudei bastante. Envelheci, aprendi e me tornei capaz de pensar nas conseqüências de minhas ações no longo prazo. O Brasil? Muito menos, creio. A politicagem e os interesses de campanha seguem ganhando a queda-de-braço com o desenvolvimento.

Para entender minha linha de raciocínio, convido você a um passeio no túnel do tempo.

A privatização das teles foi idealizada por Sérgio Motta, ministro das Comunicações e um dos mais influentes tucanos no primeiro mandato do governo Fernando Henrique Cardoso. Outro grande aliado de FHC era Luís Eduardo Magalhães, então presidente da Câmara, filho do senador Antônio Carlos Magalhães e um dos expoentes do PFL.

Motta, o trator, e Luís Eduardo, o conciliador, foram indispensáveis para as costuras políticas que permitiram o fim do monopólio estatal nas telecomunicações. Por isso, o governo sofreu um golpe pesado quando ambos morreram subitamente, poucos meses antes do leilão, em decorrência de problemas de saúde.

O desaparecimento dos dois principais articuladores políticos de Fernando Henrique colocaram a base aliada em polvorosa. Havia um acordo implícito para o PFL apoiar os tucanos na eleição de 1994 _ ao fim de oito anos, o sucessor de FHC na chapa composta seria um pefelista. O nome natural era o de Luís Eduardo, estimado pelo presidente, capaz de mobilizar os políticos nordestinos e, assim, promover a alternância de poder entre o sul e o norte.

Dentro do governo, o acordo era visto com bons olhos pela equipe econômica, capitaneada pelo então ministro da Fazenda, Pedro Malan, mas causava urticária na ala tucana conhecida como "desenvolvimentista", cuja pretensão era a de apresentar um candidato próprio, o recém-empossado ministro da Saúde, José Serra.

Sem Motta para conter os desenvolvimentistas e Luís Eduardo para manter acesa a chama do acordo fechado com o PFL em 1994, a política ficou de pernas para o ar. A equipe econômica, espécie de fiadora do pacto, estava desgastada pelas seguidas crises econômicas internacionais e pelo alto custo da manutenção do câmbio administrado.

Resultado: os desenvolvimentistas vislumbraram uma brecha para lançar a semente da candidatura de um tucano desenvolvimentista em 2002. O PFL passou a desconfiar dos aliados. E o PT, oposição ferrenha, completamente abafado no primeiro mandato de FH, revoltado com o tratamento que recebia do "intelectual", viu uma chance de crescer com o desbalanceamento dos adversários.

TODOS precisavam fazer caixa para a campanha (menos FHC, que já tinha garantido dois mandatos).

Foi assim que o jogo começou.

Como você sabe, no Brasil existem "esquinas políticas", instâncias onde os interesses menores e imediatos permitem maior interação entre determinados partidos.

Em 1998, PFL e PSDB jogavam em dobradinha no Congresso e na agenda econômica. Também estavam reunidos no Ministério da Previdência, onde o PFL dava as cartas, inclusive na Secretaria de Previdência Complementar (responsável pela fiscalização dos fundos de pensão).

Com a morte de Sérgio Motta, o Ministério das Comunicações foi para o PSDB desenvolvimentista, também titular do BNDES e dono da maior parte das cadeiras importantes no Banco do Brasil.

O PT, em contrapartida, aparecia em má situação, sozinho em um cenário onde todos os demais tinham aliados. A campanha sistemática do partido contra a privatização havia fracassado, percebida como discurso anacrônico, retrógrado. Por conta das manifestações (o MST chegou a invadir o BNDES), seus militantes corriam o risco de receberem, mais uma vez, o rótulo de intransigentes _ imagem que atrapalhara muito a legenda na eleição perdida para Collor (1989) e as duas derrotatas para FHC (1994 e 1998).

Onde o PT era poderoso? No Sindicato dos Bancários (o que o tornava um player importante para o Banco do Brasil, e na Previ, o gigantesco fundo de pensão do BB). Nada no banco ou na entidade de previdência passava sem um acordo com os petistas, pois parte das vagas de comando, no segundo caso, era obtida por voto dos bancários. Mesmo assim, a força do Estado era esmagadora _ a maioria dos acertos era fechada em bases ruins para os trabalhadores.

A influência sindical também permitia certa influência do PT na Caixa Econômica Federal e seu respectivo fundo de pensão, a Funcef, bem como na Petrobras e na Petros, instituição previdenciária da petrolífera.

Quando o assunto é bilhão, esses três fundos são os que interessam: Previ (o maior da América Latina), Petros e Funcef. Juntos, eles detêm cerca de 70% dos ativos do sistema brasileiro de previdência complementar. São os gigantes dos investimentos de longo prazo. Praticamente TUDO na economia passa por eles, inclusive no mercado de capitais.

Justiça seja feita _ se a governança corporativa dos fundos de pensão é falha hoje, naquele tempo era uma piada. Diversos negócios mal explicados resultavam em prejuízos para as fundações. Rendiam dinheiro só para os tucanos-pefelês; os petistas se descabelavam com as sobras. Corriam ao Ministério Público com freqüência para fazer denúncias sérias, fundamentadas, que _ DEZ ANOS DEPOIS _ deram em zero de punição. Por que será? Deixo para outra ocasião.

O PSDB desenvolvimentista, matreiro, decidiu jogar em duplicidade. Uma parte (Ministério das Comunicações e BNDES) continuaria alinhada ao PFL e ao acordo azeitado por FHC. Outra, a do Banco do Brasil, iria compor com o PT, de olho mais no futuro presidente do que naquele que ocupava o posto naquele momento. Fosse qual fosse o resultado, os tucanos sairiam ganhando. Pelo menos, era o que eles pensavam.

E o Planalto? Aí eu só posso dizer para você o que eu acho: a eleição de 2002 pouco interessava a ele, que tinha garantido dois mandatos. Fazer um sucessor que não fosse Luís Eduardo era indiferente para Fernando Henrique Cardoso. Fechou os olhos e mandou seguir.

Vamos sair um pouquinho da política e olhar a quantas andava a economia em 1998. O Plano Real, um sucesso, responsável pelo fim da inflação, ainda estava em fase de consolidação. Para tanto, a equipe econômica optara por manter a taxa de câmbio administrada. (Como bem lembrou o Carl, em seu comentário, o regime adotado foi o de "flutuação suja".)

Mesmo quem entende patavinas de ciência econômica percebe que essa relação é ilusória. Como a moeda do país mais poderoso do mundo pode valer (mais ou menos) o mesmo que outra, a de uma nação de terceiro mundo? Impossível, a não ser de forma artificial.

A administração da taxa de câmbio, assim, exigia um esforço hercúleo. A relação entre a dívida brasileira e o PIB sofria forte degeneração, as reservas eram insuficientes, o funcionalismo amargava sem reajustes (não é de se admirar que o PT tenha feito um rapa nos votos dos servidores públicos), as contas externas viviam em desequilíbrio. Por outro lado, era possível saber quanto valeria o salário no fim do mês, algo impossível antes do Real.

Outro aspecto bagunçava ainda mais o coreto da economia nacional: sucessivas crises ocorridas no exterior. Esses abalos implicavam mudanças bruscas no fluxo de capital internacional, criando um ambiente propício para os especuladores apostarem contra determinadas moedas. Primeiro foi a crise do México, depois a da Ásia e, em meados de 1998, formava-se a nuvem negra que viria a ser confirmada como a crise da Rússia.

Também é fácil entender, portanto, que a época estava longe de ser a ideal para atrair capital de longo prazo. Os investidores viam o Brasil com cautela, devido ao histórico complicado da economia, à prática da corrupção típica dos países latino-americanos e às imensas lacunas e contradições do sistema regulatório.

Mesmo assim, a princípio, alguns estrangeiros mostraram interesse nos consórcios que disputariam as empresas resultantes da cisão da Telebrás. Entre eles, Citigroup, Bell South, MCI e Sprint; Telefónica de Espanha, a canadense TIW, Telecom Italia, Portugal Telecom, France Telecom.

Nem todos ficariam até o fim. O capital anglo-saxão, principalmente, não gostou do que viu por aqui. A maioria deu no pé antes de se meter em confusão.

Então você, até aqui, guardou as principais informações do cenário em volta da privatização das teles: em 1998, a economia mundial sofrera vários abalos e havia sinais de outros a caminho; a política monetária brasileira tinha um alto custo e sinalizava implosão (o que realmente aconteceu no começo de 1999); o acordo com o PFL, balizador das duas candidaturas de Fernando Henrique Cardoso, fora subitamente enfraquecido; o PSDB desenvolvimentista havia crescido em importância e o PT vira uma chance para si no racha da base aliada.

(Creio que é melhor ir direto para o leilão, ou levarei meses escrevendo antes de opinar sobre a compra da Brasil Telecom pela Oi-Telemar, motivo dessa análise toda. Depois, se você quiser, deixe um comentário ou mande um e-mail. Se houver demanda, retomo o assunto, ok?)

No resumo, basta saber que o dono do Opportunity, Daniel Dantas, era visto como alguém com bom trânsito no PFL e, por conseqüência, com o próprio FHC.

A esperança dos tucanos alinhados com os pefelistas era que, ao fim do leilão, Telecom Italia/Bradesco/Globo ficassem com a região de São Paulo; a espanhola Telefónica com o Centro-Oeste e o Sul (onde já atuavam) e o grupo Citigroup/ fundos/Opportunity levassem a Telemar.

Como dizem no futebol, faltou combinar com os russos.

O dono da La Fonte, Carlos Jereissati, era velho conhecido dos fundos de pensão, de quem era sócio no setor imobiliário. E Sérgio Andrade, como bom mineiro e excelente empreiteiro, se relacionava bem com todo mundo. Viram a oportunidade bater à porta com a exclusão de pessoas ligadas ao PT na montagem dos grandes consórcios.

Dias antes do leilão, Jereissati e Andrade, apoiados pelos fundos de pensão e pela ala desenvolvimentista tucana do Banco do Brasil, montaram um consórcio. Para compensar a falta de uma operadora internacional no grupo, adotaram o discurso nacionalista.

Alguns integrantes dos fundos, por sua vez, se aproximaram da Telecom Italia. E os tucanos do Banco do Brasil cevaram a relação com os espanhóis. Encontros secretos às vésperas da operação de venda para cá, desistências para lá... Sabe-se lá como, no dia do leilão, tudo saiu ao avesso.

Os espanhóis apresentaram um lance altíssimo por São Paulo e retiraram a oferta pela Tele Centro-Sul. Resultado: a segunda maior oferta pela futura região da Brasil Telecom, a do grupo Citi/fundos/Opportunity, venceu a rodada (ágio de 6,15%). Assim, foram automaticamente obrigados a sair da disputa pela Telemar. Quem ficou por lá? O consórcio engendrado por Jereissati e Andrade. Arremataram a empresa por 1% de ágio sobre o lance mínimo (você leu certo, é UM por cento mesmo).

Naquele dia mesmo, os compradores da Telemar anunciaram que usariam dinheiro emprestado do BNDES para quitar metade dos R$ 1,4 bilhão que teria de ser pago à vista pela operadora.

Dia 29 de julho de 1998. As 12 empresas do sistema Telebrás foram privatizadas por R$ 22,058 bilhões. Ao fim do leilão, que durou quatro horas e quatro minutos, o ágio médio chegou a 63,74% _ muito acima dos 17% esperados pelo governo e pelos mercados.

Do lado de fora da Bolsa de Valores do Rio, milhares de policiais e militantes de esquerda, contrários à privatização, se enfrentavam. Cerca de 300 pessoas foram presas e mais de 30 acabaram no hospital.

Como de costume, acredito, o chão-de-fábrica que estapeava os policiais e tomava bordoadas na cabeça não sabia que, lá onde o martelo fora batido, os representantes graduados do PT se cumprimentavam felizes. Por conta de manobras muito bem pensadas, o resultado do leilão calcinara o acordo entre FHC e o PFL, impulsionara os tucanos desenvolvimentistas e consolidara uma aliança muito proveitosa para os petistas com o grupo que comprou a Telemar. Melhor, impossível.

Números enganam bem menos que as palavras, por isso admiro quem tem familiaridade com eles. Mas, às vezes, a informação que chega por meio de algarismos é como uma cebola _ quando picada, traz lágrimas aos olhos. Aqui, na quinta e penúltima parte da análise sobre a compra da Brasil Telecom pela Telemar, você entenderá o motivo pelo qual digo isso.

A criação da Telemar, como descrito antes, permitiu a união de empresários locais com representantes dos fundos de pensão ligados à ala sindical do PT. O tempo mostraria, porém, que as ambições dos dois grupos para o futuro eram diferentes.

A idéia dos petistas era fazer com a Telemar, no longo prazo, algo semelhante ao que ocorreu na Vale do Rio Doce: os fundos de pensão manteriam o poder, ao lado de um forte sócio privado (o Bradesco, no caso da operadora; a Andrade Gutierrez, no caso da operadora).

Andrade, por sua vez, enxergou uma ótima oportunidade de unir forças em dois setores da infra-estrutura: a construção civil e as telecomunicações. Sua pretensão era (e é) criar uma plataforma conjunta, atraente o bastante para a exportação. O mesmo pensou Jereissati, acostumado a negócios imobiliários e comerciais.

Mas, antes que o descompasso entre os dois e os petistas ficasse evidente, o que só ocorreu nos últimos meses, a parceria rendeu. Os fundos de pensão puderam deixar a administração da Telemar nas mãos dos amigos e concentraram suas forças em recuperar o comando da Brasil Telecom. Em troca, colocaram muito dinheiro nas empresas dos sócios privados. Escrevi uma reportagem em 2005 sobre isso.

“Fundos injetaram R$ 950 milhões na La Fonte; valor é 86% do aporte da empresa na Telemar (desde 1998); Polícia Federal investiga se fundos bancaram sócios privados da tele.”

Nunca ouvi nada sobre o resultado desse inquérito. Você ouviu?

Seja como for, Andrade e Jereissati são dois ases dos negócios. Se, por um lado, o dinheiro dos fundos entrava, por outro, eles se tornaram grandes financiadores de campanha.

“Um dos principais acionistas privados da Oi e maior interessado na compra da Brasil Telecom, o grupo Andrade Gutierrez foi também o maior financiador do PT em 2006, ano com o último dado disponível. A construtora mineira doou R$ 6,4 milhões para o partido -dinheiro usado sobretudo para financiar a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de outras campanhas petistas. ...Além da doação ao partido, a Andrade Gutierrez doou R$ 1,52 milhão diretamente para a campanha de Lula em 2006. Para que a Oi possa comprar a BrT, é preciso um decreto presidencial mudando a legislação. O governo apóia a venda da BrT.”

O trecho acima consta de reportagem escrita por Leonardo Souza e Fábio Zanini, da sucursal de Brasília da Folha de S.Paulo, em 13 de janeiro deste ano.

A melhor e mais ousada jogada da dupla, contudo, não foi na Telemar, embora muita gente ache que a compra a Gamecorp, empresa do filho do presidente da República, por R$ 5,2 milhões em 2004, um mês depois de ela ser constituída tenha ajudado.

Para mim, a tacada de mestre dos dois foi deixar a Telecom Italia, o Opportunity, os fundos e o Citigroup se engalfinharem pela Brasil Telecom. Quando todos os adversários estavam sujos, ensangüentados e enfraquecidos... Clap! Um único sopapo na orelha. Nenhum dos briguentos ficou de pé.

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