quarta-feira, 26 de maio de 2010

Comentários sobre artigo do Valor Econômico

Cliping em site do governo federal, traz uma reportagem do jornal Valor Econômico assinado pelo Sr. José Luis Fiori. Em vermelho os meus comentários

A mediação bem sucedida de Lula com o Irã alçaria o Brasil no cenário mundial." O Globo, 16 de maio de 2010, p. 38.

Na terça feira, 18 de maio de 2010, foi assinado o Acordo Nuclear entre o Brasil, a Turquia e o Irã, que dispensa maiores apresentações. E como é sabido, quarenta e oito horas depois da assinatura do Acordo, os Estados Unidos propuseram ao Conselho de Segurança da ONU, uma nova rodada de sanções ao Irã, junto com a Inglaterra, França e Alemanha, e com o apoio discreto da China e da Rússia. = O que a reportagem chama de apoio discreto da China e da Russia foi um apoio unânime com o devido resguardo que qualquer pronunciamento diplomático é feito. A turminha ao que parece está acostumada a ver as coisas como se fossem uma rodade de jogo de truco no qual vale a postura e a gritaria mais do que as cartas que tem na mão. Além do quê o acordo nada tem de acordo, porque o próprio Irà o chama de máxima concessão já que irá manter seu programa do jeito como está, que é o real problema a pelo menos dois anos. Quanto às sanções, elas não foram proposta por conta do acordo, mas já vinham sendo costuradas ou negociadas. O que me parece muito mais lógico é que o chamado acordo (que não deixa de ser positivo, é óbvio), era aguardado com algo a mais do que a proposta que já havia sido feita e recusada pelo Irã, o que realmente levaria a uma conclusão negativa quanto a sanções. Decorre no entanto que o plano tem por objetivo primário conforme exposto pelo próprio chanceler brasileiro evitar as sanções e não eliminar as desconfianças quanto ao Irã. E me parece foi exatamente esse o motivo catalisador das nações que são membros do CS da ONU aprovarem um rascunho com sanções cujo movimento é demonstrar que a comunidade internacional não caiu na armadilha ingênua do acordo que em nada altera o status quo do programa iraniano.

Apesar da rapidez dos acontecimentos, já é possível decantar algumas verdades no meio da confusão: 1) A iniciativa diplomática do Brasil e da Turquia não foi uma "rebelião da periferia", nem foi um desafio aberto ao poder americano. Neste momento, os dois países são membros não permanentes do Conselho de Segurança da ONU, e desde o início contaram com o apoio e o estímulo de todos os cinco membros permanentes. Além disso, as diplomacias brasileira e turca estiveram em contato permanente com os governos desses países durante a negociação. A Turquia pertence à OTAN, e abriga em seu território armas atômicas norte-americanas. E o presidente Lula recebeu carta de estímulo do presidente Barack Obama, duas semanas antes da assinatura da visita de Lula, e a secretária de Estado norte-americana declarou - na véspera do Acordo - que se tratava da "última esperança" de solucionar de forma diplomática a "questão nuclear iraniana". A reportagem acerta na análise neste trecho. Mas isso não significa que a imprensa pensava diferente. Quem pensava diferente era o próprio governo porque seus prepostos em diferentes entrevistas e discursos, sem contar a militância fez o que pôde para alçar a coisa como se fosse um levante de paises contra a "hegemonia"americana, seja lá o que isso queira dizer. Aliás os dois paises poderiam ter agido isoladamente, mas preferiram juntar essa questão com uma reunião de paises que ocorreu em Teerã, dando justamente essa cara de "olha nóis aqui também". Quanto a tal da carta do Obama, todos estão a cita-la mas se esquecem de lembrar o ultimo parágrafo que avisava sobre a necessidade dos esforços se direcionarem para o fim do prgrama iraniano como está planejado. Desse trecho ninguem lembra e que é justamente aquele que demonstra a coerência das ações americanas no caso.

2) O que provocou surpresa e irritação em alguns setores, portanto, não foram as negociações, nem os termos do acordo final, que já eram conhecidos. Foi o sucesso do presidente brasileiro que todos consideravam impossível ou muito improvável. Sua mediação viabilizou o acordo, e ao mesmo tempo descalçou a proposta de sanções articulada pela secretária de Estado americana depois de sucessivas concessões à Rússia e à China. E, além disso, criou uma nova realidade que já escapou ao controle dos Estados Unidos e seus aliados, e do Brasil e Turquia. Basta uma leitura do que os governos atráves de seus prepostos fizeram publicar, retirando o ufanismo tosco e se perceberá que do salamaleque provinciano diminuiu-se o tom até chegar na situação real. De acordo nuclear histórico ele passou a ser a porta aberta para futuras negociações. E realmente, só faltava mesmo que o Irã recusasse o acordo inicialmente proposto e rejeitado, colocando em situação dificil, o único presidente de uma democracia que abertamente está ao lado dele, no caso o Brasil. Mas a intenção do Irã ficou clara quando no mesmo dia seus representantes disseram que o programa nuclear iraniano continua como estava previsto.

3) A reação americana contra o Acordo foi rápida e ágil, mas o preço que os Estados Unidos pagarão pela sua posição contra esta iniciativa pacifista será muito alto. Perdem autoridade moral dentro das Nações Unidas e perdem credibilidade entre seus aliados do Oriente Médio, com a exceção de Israel, por razões óbvias. E já agora, passe o que passe, o Brasil e a Turquia serão uma referência ética e pacifista, em todos os desdobramentos futuros deste contencioso. Pois é. o primeiro ministro inglês na década de 20 e inicio da década de 30, Chamberlain, também passou para a história como pacifistas, posto que fez acordos e concessões a não mais poder para a Alemanha e deu no que deu. A paz deve ser base e premissa de todo e qualquer acordo mas as partes precisam ser colocadas a par com claro entendimento que qualquer ação que leve a algo diferente da paz será tratada pelo que realmente é, uma agressão direta ou potencial e que a parte do acordo suporte as consequências. A consequencia direta do pacifismo de Chamberlain foi a segunda guerra mundial. Qual poderá ser as concessões com o Irã?

4) Existe consenso que a estrutura de governança mundial estabelecida depois da II Guerra Mundial, e reformulada depois do fim da Guerra Fria, já não corresponde à configuração do poder mundial. Está em curso uma mudança na distribuição dos recursos do poder global, mas não se trata de um processo automático, e dependerá muito da capacidade estratégica e da ousadia dos governos envolvidos nesse processo de transformação. O Oriente Médio faz parte da zona de segurança e interesse imediato da Turquia, mas no caso do Brasil, foi a primeira vez que interveio numa negociação longe de sua zona imediata de interesse regional, envolvendo uma agenda nuclear, e todas as grandes potências do mundo. A mensagem foi clara: o Brasil quer ser uma potência global e usará sua influência para ajudar a moldar o mundo, além de suas fronteiras. E o sucesso do Acordo já consagrou uma nova posição de autonomia do Brasil, com relação aos Estados Unidos, Inglaterra e França e, também, com relação aos países do Bric. É o blá-blá-blá de sempre a pelo menos 10 anos. A ONU que na verdade trata-se da liga das nações renascida tinha nos aliados vitoriosos o centro de tomada de decisões realmente importantes. A China intregou esse organismo porque ele passou de certa forma a representar os paises armados nuclearmente com real poder de fogo e desde então essa é a configuração do poder no mundo e que se note; os cinco menbros permanentes com poder de voto e veto são também os maiores vendedores de armas no mundo. Alguem realmente acha que alguem muda esse atual status discurso, samba e campanha de marketing? Quanto a ser potência, o Brasil poderia ter um papel como tal aqui mesmo na América do Sul. Imaginem se apoiasse a Colombia na luta contra as farcs e seu produtivo negócio com tráfico de cocaina, colocando suas forças militares em apoio as forças constituidas colombianas? Ou fazer sentar a mesa de negociação os paises membros do mercosul que possuem disputas entre si?

5) O acordo seguirá sendo a melhor chance para prevenir um conflito militar em todo o Oriente Médio. As sanções em discussão são fracas, já foram diluídas, não são totalmente obrigatórias, e não atingirão a capacidade de resistência iraniana. Pelo contrário, se foram aprovadas e aplicadas, liberarão automaticamente o governo do Irã de qualquer controle ou restrição, diminuirão o controle norte-americano e da AIEA, acelerarão o programa nuclear iraniano e aumentarão a probabilidade de um ataque israelense. Porque os Estados Unidos já estão envolvidos em duas guerras, e não é provável que a OTAN assuma diretamente esta nova frente de batalha, a despeito do anti-islamismo militante, dos atuais governos de direita, da Alemanha, França e Itália. Se as sanções são fracas, diluidas, etc e tal, porque a bronca? O que aumenta a probabilidade de um ataque israelense é o discurso anti-semita do Irã e não as sanções. Se o Irã deseja a paz, basta abrir seu programa ao controle da AIEA como o Brasil faz, por exemplo. Demonstre que é confiável.

6) Por fim, o jornal "O Globo" foi quem acertou em cheio, ao prever - com perfeita lucidez - na véspera do Acordo, que o sucesso da mediação do presidente Lula com o Irã projetaria o Brasil, definitivamente, no cenário mundial. O que de fato aconteceu, estabelecendo uma descontinuidade definitiva com relação à política externa do governo FHC, que foi, ao mesmo tempo, provinciana e deslumbrada, e submissa aos juízos e decisões estratégicas das grandes potências. O artigo todo no fundo é apenas para atacar o antecessor do atual governo.

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