quarta-feira, 11 de abril de 2012

A decisão do STF - aborto de anencéfalos

Pelo andar da carruagem, o STF irá legitimar o aborto de fetos anencéfalos, ou seja, fetos sem cérebro.

A discussão é antiga. De um lado, o sentimento da mulher que sabendo a partir da 12ª semana que o feto irá se desenvolver até o nono mês quando nascerá ou morto ou morrerá minutos ou horas depois porque não terá o cérebro controlando os movimentos automáticos do corpo como a respiração e o batimento cardiáco; que deve ser terrivelmente angustiante.

De outro, o valor da vida e o fato daquela criança por assim dizer merecer vir ao mundo mesmo que seja para deixa-lo minutos depois.

Eu que sou contra o aborto, me coloco no lugar dessas familias e sinceramente não sei se gostaria de viver angustiantes noves meses sabendo que tudo será em vão. Por isso vou tentar aqui fazer uma análise o mais distante possivel da comoção do tema.

O STF foi chamado a falar sobre a legitimidade do aborto de crianças neste estado. Me parece portanto que a discussão deveria terminar em um frio e singelo NÃO. Explico o porquê. A lei permite o aborto, que é a interrupção da gravidez por meio mecânico ou medicamentoso em apenas duas situações: a primeira se a gestação é resultado de estupro e a segunda se há risco de vida para a mãe. Me parece óbvio que não é porque a constituição assim reza, que toda mulher que passe por uma dessas situações é obrigada a praticar o aborto. O pensamento religioso de algumas denominações não aceita o aborto sequer nessas condições permitidas pela lei.

O que temos então é que mesmo a lei permitindo o aborto dadas as pré-condições definidas, a mulher poderá decidir se o pratica ou não. Algumas poderão amar seus filhos e eles nunca a farão lembrar com amargura do momento terrivel quando ele foi concebido e outras preferirão morrer deixando que a familia cuide de seus filhos a escolher mata-lo para sobreviver. Outras, irão nas direções opostas e sinceramente, nesses casos, é dificil a qualquer um julgar o acerto ou o erro das decisões, não é mesmo?

O caso do feto sem cérebro, no entanto, não pode ser classificado como resultado de um ato hediondo como o estupro, pois na verdade foi resultado de um ato de amor e também não se pode afirmar que o feto por ser anencéfalo seja um risco a mãe, porque em geral ele cresce até os noves meses como qualquer feto saudável e a opinião do juiz Marco Aurélio de que segundo médicos, ele pode ser um risco, é uma tremenda bobagem, porque toda gestãção humana tem seus riscos e se assim fosse, todos seriam passiveis de aborto o que não é o caso.

Então, se o caso concreto não pode ser enquadrado como resultado de estupro e enquadra-lo na questão de risco a saúde da mulher é uma distorção da verdade; o que temos é que o fato do feto estar se formando com uma deficiência que impedirá a vida fora do útero não é motivo legal para legalizar o aborto.

Essa é a questão. Acho meritório que no caso específico de fetos anencéfalos, a questão da interrupção da gravidez surja especialmente pelo pesadelo que deve ser a angustia mental de carregar um feto sabendo que irá morrer e por isso o tema deveria ser encaminhado pelas vias corretas, ou seja; que o legislativo alterasse a constituição federal ou o código penal incluindo a terceira situação no qual o aborto seria admitido ou permitido.

Não é possivel, embora isso é o que ocorrerá, que o STF se transforme em casa revisora de lei quando esse papel cabe a outro poder da república.

Essa facilidade por assim dizer abre as portas, no meu entender para que novas ações sejam movidas para abortar fetos com deficiências que embora não impeçam totalmente a vida fora do útero com certeza trazem fortes sentimentos de angustia para a mãe; ou não será tão angustiante quanto, uma mãe saber que seus filhos por nascer são gêmeos siameses grudados ou dividindo partes do corpo?

O estado deve ser laico, e isso significa que não pode ditar-se pelo pensamento religioso nem pode declarar-se ateu. Ocorre que um juiz deve nesse caso obstar uma decisão porque ela se baseia no entendimento do que Deus quis dizer na bíblia mas deve apoiar uma decisão baseada no pensamento de uma escola filosófica ou no que a ciência determina?

Na verdade o juiz deverá julgar considerando a intenção do legislador, respeitando os diferentes credos que formam, queiram ou não, a cultura do povo, da nação e é lógico, não relegando o conhecimento cientifico moderno.

Esse equilibrio me parece deixou de ser dado no voto do relator Marco Aurélio que abraçou a ciência, irônicamente, como se verdade revelada fosse e jogou para escânteio as premissas religiosas do povo para o qual ele, como juiz trabalha.

Eu reconheço como legítima a preocupação do juiz com o sentimentoda mâe; mas o STF não é o forum adequado para essa decisão. O forum adequado era a Câmara Federal.


8 comentários:

Luiz Brasileiro disse...

Marco Aurélio, tem postagens deste blog que me fazem dar boas risadas tamanha a facciosidade e o intento doutrinário dos desavisados. Só para lembrar: você está em seu direito, o blog é seu e o julgamento sobre postagens racairá sobre você e cada um faz o quiser de sua vida e de sua honra (que pelo direito penal é um bem disponível).

Os que são contra o aborto são os mais engraçados e fazem ocorrer no pensamento o que já constatei há muito: quem partilha de idéias da direita usa a discussão sobre o aborto para manipular a opinião pública dado que a abordagem do tema é complexa, envolve direito, medicina, biologia, ética e até religião pois existem religiosos tentando contrabandear ou impor suas crenças de fachada sobre o tema.

Este é o tema predileto da direita; o é porque permite confundir, provocar paixões, obnubilar as mentes e demonizar adversários com mais facilidade.

A direita contra o aborto é uma impostura. Não se trata nem um pouco da defesa da vida ou da dignidade ínsita a todo ser humano pois se assim fosse seriam contra a pena de morte, torturas, trabalho semi-escravo ou escravo e o extermínio praticado pelas polícias Civil e Militar em todos os Estados da federação.

Compreendendo por partes este tema, fazendo o oposto dos que querem confundir, se vê que a primeira coisa que tentam esconder é que o Estado brasileiro é laico e não pode ser instrumentalizado por nenhuma religião para impor suas crenças a ateus, agnósticos ou crentes de outras religiões; como são renitentes e autoritários demorarão para aprender este postulado de direito constitucional.

Depois tentam esconder que do mesmo ponto de vista jurídico mesmo tendo o Pacto de São José da Costa Rica conceituado que a vida começa com a concepção o STF interpretou que a vida tem começo 14 dias depois da fecundação do óvulo.

Para confundir e ilaquear a opinião pública vale tudo para esta gente, principalmente mentir. Mas gostam mesmo é de impor ameaçando incitar a opinião pública contra quem se opõe à manipulação. Esquecem por conveniência que o Código Penal no art. 128 despenaliza o aborto se a concepção for resultado de estupro ou se o fruto da concepção for anencéfalo, o que se cometia anteriormente a esta decisão do STF sob a justa causa que é salvar a vida da gestante.

Do ponto de vista biológico, científico ou da medicina, a complexidade aumenta e não existe posição majoritária. É o ponto de vista mais contudente e o mais ocultado: sobre quando começa a vida humana não existe um consenso, existem os que partilham da idéia de que a vida começa com a concepção, outros com a formação do cérebro e aqueles que defendem que a vida humana intra-uterina começa com os batimentos cardíacos. Cada um que escolha a sua, mas sabendo que não vai impô-la com base na ciência.

Agora é do ponto de vista ético, o mais frágil como argumento e o mais forte como meio de empulhação que a direita nada de braçada e com satisfação.

Sabe ela que a população é cunfusa em valores e por isso tende a ser manipulada por meio de chamamentos emotivos o que a conduz a ir de um extremo a outro do autoritarismo: defender a pena de morte indignada contra crimes contra vida ou dá palpites na vida sexual alheia violando assim a liberdade sexual assegurada pelo Código Penal.

Defender a vida, sem dizer com base em que conceito; invocar princípios éticos sem dizer quais - possivelmente os princípios religiosos ou éticos retirados de sua própria religião para impor aos outros -, é apenas o meio para direita alcançar um fim maior oculto, pois ela nunca esteve preocupada com a vida, liberdade ou dignidade do ser humano.

O que importa a esta gente é valer-se da manipulação dos incautos para demonizar adversários e manter o poder, que tem raízes psicosociais, e assim perpetuar um contingente de mão-de-obra de alguns milhões de pessoas em regime de semi-escravidão.

Marco Aurélio Fedeli disse...

Luis,Luis, meu amigo Luis.

O que diabos tem a ver direita e esquerda com defesa ou não do aborto. Você demoniza a direita, epitôme de tudo o que é mal o que por consequência lógica eleva a esquerda ao panteão do amor ao justo, belo e virtuoso. Ledo engano meu querido.

Quando eu postei o texto, foi baseado somente no voto do relator. Eu em geral gosto dele, mas hoje não concordei e com base na decisão das células tronco tenho uma idéia de como será o voto dos demais. Acredito que será 9 a 1 no maximo 7 a 3 pela liberação do aborto.

Mas pesquise e veja o voto dissidente do Lewandovki (sic). Seu voto suscinto para os padrões do STF foi exatamente na direção do que escrevi. Só não usou os mesmos exemplos.

E essa ministro, meu amigo luiz, foi escolhido pelo ex-presidente lula, tem idéias a esquerda do espectro e tudo mais.

Eu até aceito que voce seja a favor do aborto e que seja contra a direita, seja lá o que isso queira dizer. O que não dá pra aceitar é que para dizer-se contra um, alegue o ódio ao segundo, se é que voce me entende.

A espanha é governada por um governo de direita e aprovou leis favoráveis ao aborto. A argentina da esquerdita kishner proibe o aborto. Os EUA, pais mais a direita impossivel, liberou os estados para decidir por si mesmos.

Como vê, nada a ver uma coisa com a outra.

Tatiana disse...

O fato aqui, é que não estão pensando nenhum pouco na mãe, que gera essa criança.

O aborto, neste caso, deve ser liberado sim... e a decisão de que se vai fazer ou não, deve ser 100% da mãe, apenas da mãe.

Marco Aurélio Fedeli disse...

Tatiana, agradeço sua participação e fique a vontade para comentar sempre que quiser.

Eu como disse no texto, reconheço a família e particularmente a mãe sofrem uma grande angústia. Acredito que ninguem em sã consciência menospreze esse dado. Ocorre que o STF não é o forum competente nem o poder competente para alterar a lei. Como não é possivel ciêntificamente falando dizer que a gestação de um anencéfalo causa risco de vida mais do que qualquer outra gestãção tráz (considero aqui as normais), seria preciso implementar uma terceira opção no qual o aborto seria permitido. Como está ocorrendo, ao largo da lei está se dando guarida a uma interpretação que o texto não permite. Além disso, o STF julga casos nos casos aonde existe quebra da constituição ou exija a interpretaçao da mesma. Logo o forum adequado deveria ser o congresso.
E embora seja verdade que a situação da mãe seja um fator importante é preciso lembrar que um julgamento sempre tem efeito sobre a inteira sociedade; logo com certeza existirá mães com fetos em outras situações que igualmente sentirão fortes sentimentos e angustia. A modificação no código de lei não permitiria que isso se tornasse uma porteira. Como está ocorrendo, o aborto de qualquer feto se tornará realidade tendo por base tão somente o sentimento da mãe.

Luiz Brasileiro disse...

Marco Aurélio, porque não publicou meu comentário? Está com medo da OPUS DEI?

Roberto Campos diz uma grande verdade em seu livro "Lanterna na Popa", p. 1.191: "O adjetivo liberal é lascivamente usado pelos partidos políticos (PFL, PL, por exemplo) em descompasso com a realidade subjacente." O que vale para os partidos vale também para as pessoas. Como diz o povo, vender é uma coisa, entregar é outra; nem sempre quem defende a liberdade de expressão aceita que isto implica em conviver com as opiniões contrárias.

Suas convicções liberais como as da revista VEJA são uma brincadeira...

Marco Aurélio Fedeli disse...

Que comentário, Dr. Luiz? Publiquei e inclusive respondi. Olhei o site e não tem pendência sua. Pode ter se perdido. Encaminhe de novo.

Aproveito para lhe pedir um favor. No anterior e neste, você cita politica, partidos, sinceramente, o tema é profundo é merece um contraponto objetivo. Eu tenho minha posição contrária que nada tem a ver com direita, veja, convicção liberal, seja lá o que isso significa. Se você é a favor, escreva sobre isso. É o contraponto que dá riqueza ao blog, porque o contraponto pode alicerçar ou mesmo enfraquecer um argumento. Conto contigo nesse aspecto.

E meu amigo, não esqueça, é tão fútil você querer me patrulhar com alegações como é mesmo, veja e coisas do tipo; quanto se eu fizesse com você o mesmo, chamando-o de esquerdita de carta capital ou outra bobagem do genero.

Conto com seu comentário.

Luiz Brasileiro disse...

Marco Aurélio, não tenho mais dúvidas que meu comentário se perdeu e portanto vou enviar de novo.

Não tenho nenhum interesse em ofendê-lo pela simples razão de que me sinto perdedor todas as vezes que lhe dirijo alguma palavra mais dura em nossa esgrima de idéias.

Peço-lhe que releia meu comentário pois não vi até agora nenhuma ofensa a você. Menciono Roberto Campos e seu juízo sobre liberais e liberalismo no Brasil pois o considero acertado.

Meu comentário anterior tem um ERRO que agora quero retificar e pedir desculpas: achei que você não tinha publicado meu comentário só por considerá-lo com idéias divergentes das suas, e critiquei sua posição de liberal que não aceita críticas, mas agora constato que você não o recebeu.

Não quero lhe "patrulhar", algo inaceitável para mim que considero que cada um deve fazer o que quiser de sua vida e pensar e se expressar com a mais inteira liberdade. Mas como gosto do debate de idéias contraponho algumas às suas bem como discuto algumas interpretações de fatos históricos ou a veracidade deles.

Sou de esquerda e gosto de algumas posições destemidas e desabridas da CARTA CAPITAL. Me move um grande interesse por verdade e justiça muito mais que dinheiro.

Abração e agradeço a paciência.

Luiz Brasileiro disse...

Marco Aurélio, em um livro de Gore Vidal, "De fato e de ficção," que li há uns duzentos anos ele aborda esta maneira de a direita arrasar com seus adversários: metê-los em uma polêmica, conduzí-los a confessar a falta de fé, posicionar-se pela descriminalização das drogas ilícitas ou do aborto, reconhecer como legítimo civilmente o casamento de pessoas do mesmo sexo, ou jogar na mídia que o sujeito é gay ou lésbica, se mulher.

É formula infalível de destruir a imagem pública e a reputação de adversários perante uma opinião pública de sociedades com laivos de medievalismo, dominada por religiões, preconceitos e outras manifestações de autoritarismo.

Até amadores conhecem este mecanismo e conseguem detonar adversários com razoável facilidade. Deste assunto você conhece pois é admirador e leitor de Reinaldo Azevedo. O que reconheço, é direito seu, todos nós temos nossos ídolos.

Contudo, com esta e outras decisões do STF alguma coisa se pode comemorar: o casamento civil de pessoas do mesmo sexo está difícil de ser manipulado pelos manipuladores de sempre, a liberdade de discutir a legalização das drogas proibidas está assegurada, demonizar o cidadão como ateu ou comunista está cada vez mais dificil, impedir pela intimidação que se discuta o aborto - quando nada nas hipóteses já asseguradas em lei -, ameaçando com o linchamento moral pelo incitamento da opinião pública perdeu força.

Até o recurso da fantasiosa defesa da moralidade pública contra a corrupção quando praticada pelos ladrões de galinhas da política (nunca se fala do afanamento do dinheiro público quando cometida por empresários através da sonegação de impostos) está difícil de ser usada pela direita depois das fraudes nas privatizações do governo FHC e agora com a associação do senador da ex UDN, ex ARENA, ex PDS, ex PFL e atual DEM com conhecido contraventor.

Não é pouco em uma sociedade que há pouco mais de 100 anos aboliu a escravidão, tem vivido sob sucessivas ditaduras inimigas dos direitos individuais - como todas as ditaduras -, tem uma quantidade absurda de analfabetos e é dominada pela OPUS DEI.

Como se vê Marco Aurélio, tem tudo a ver direita com semi-escravidão, apelo à ignorância, mistificação da população analfabeta, OPUS DEI, campanhas difamatórias contra quem tenta assegurar e ampliar os direitos civis.

Contudo, não se pode comemorar sem preocupações em uma sociedade em que o projeto fascista iniciado nas primeiras décadas do século passado ainda está longe de ser esgotado. Sem poder aplicar a morte civil pela destruição da reputação a seus adversários a direita só terá como recurso a violência desnuda da ditadura.