quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Algumas questoes sobre o João que não era de Deus...

Antes de qualquer coisa, o que se pretende é apontar algumas questões sobre um caso recente de crimes sequencialmente praticados sob o manto da religião; e não atacar essa ou aquela religião.

Isso posto...

  1. João de Deus é um médium que atua curando espiritualmente pessoas que o procuram por pelo menos 40 anos. 
  2. João de Deus "incorpora" espíritos que curam as pessoas que o procuram desde que ele se iniciou na religião.
  3. João de Deus, por orientação do considerado "papa" do espiritismo, Chico Xavier, já falecido, se estabeleceu em Goiás e alí ficou até hoje.
  4. João de Deus, sabe-se lá porque, se tornou o médium preferido de politicos e de artistas, criando fama internacional com a entrevista para a americana Oprah, que notoriamente é forte formadora de opinião através de seu programa na televisão americana.
  5. João de Deus, através de sua base de atuação, possuía acordos comerciais com a Federação Espírita Brasileira para publicação e venda de livros.
  6. João de Deus tornou-se fonte de renda para essa Federação e se tornou um homem milionário.
  7. João de Deus foi preso em regime preventivo, após dezenas e agora centenas de mulheres relatarem terem sido vítimas de abuso sexual, e com isso se descobriu até agora que o mesmo é como já dito, milionário, guardando em bunkers construídos em suas casas mais de 1 milhão de reais, armas sem registro e as denúncias apontam para relacionamento com outras áreas criminosas como o garimpo clandestino.
  8. No auge do caso a Federação Espirita Brasileira, publicou notas na imprensa dizendo que não apoia "curadores" que agem sozinhos com os pacientes e sempre precisa ter alguém junto. Que não é espirita quem não segue as regras da Federação e que o médium perde a mediunidade se sua atuação é baseada em ganancia e desejo pessoal.

Esses são os fatos em resumo sobre o tal João de Deus.

Ao acompanhar o tema na mídia, não foi difícil perceber que algumas questões se levantam naturalmente e não vejo quase ninguém fazendo essas perguntas.

A primeira que percebi logo de cara, foi o silêncio que em especial os artistas estão fazendo. É obrigatório lembrar como a classe artística, em especial as mulheres, foram rápidas em se posicionar na campanha do "ele não" em relação a eleição de Bolsonaro. E o eventual leitor pode concordar ou não com isso, mas elas tinham o direito de se posicionar, como fizeram. Também rapidamente me vem a mente, as artistas se posicionando no "mexeu com uma, mexeu com todas", a versão tupiniquim do "me too", no caso de assédio que atrizes e profissionais de televisão sofreram de atores e diretores. E esse movimento é importantíssimo para se criar uma cultura de respeito a mulher, tão em falta hoje em dia. Entretanto, muitas das artistas que se fizeram presentes nas duas campanhas e que já foram ao centro do João de Deus receber tratamento ou passes, estão praticando um silencio obsequioso até agora e a falta de apoio dessas atrizes às vítimas do João de Deus é inacreditável. 

A segunda é a rapidez com que essa Federação tratou de se descolar dos fatos, com uma explicação pra lá de interessante que pode ser resumida assim: o sujeito não é espirita porque não seguiu a orientação da federação. Não é medium, porque a mediunidade se perde. dito de outro modo, o "espirito" se afasta do sujeito se ele não tiver boas intenções. Faltou a essa entidade apontar em qual livro ou normativa, entregue ao tal João de Deus, o informava das orientações e porque ela não as tornou públicas desde o inicio. Também faltou a entidade explicar que se o sujeito não é espirita por conta disso, porque ela manteve as relações comerciais com sua base. E por fim e não menos importante, porque nenhum desses espíritos de luz que se afastaram do dito João de Deus não avisaram a entidade do desserviço que o sujeito estava fazendo a causa.

A terceira é o tratamento da mídia e a reação da população. Fosse o sujeito um pastor evangélico, as esquerdas estariam se esgoelando na mídia e nas tribunas contra o fundamentalismo cristão e seu apoio a Bolsonaro e a involução dos direitos humanos e das mulheres e por ai afora. Não faltaria quem apontasse as igrejas evangélicas, no geral, como centros de crime organizado e que as ditas curas são teatro para apanhar os incautos. Como se trata de um espirita, ai existe todo um cuidado de se separar a religião do criminoso. Mal comparando é o que ocorre quando islâmicos praticam atentados e logo a mídia corre para separar a religião dos criminosos. E talvez isso se explique por ser uma religião de origem não cristã e ter "sofrido" preconceito da denominada "cultura católica", embora o sincretismo e o tráfego de conceitos se fizeram e fazem muito comuns no país. Mas que são formas distintas de reagir isso são e isso, não se discute.

A quarta é o modus operandi do sujeito. A escolha das vítimas demonstra que tudo era conscientemente planejado. Todas elas eram mulheres desconhecidas, sem acesso a mídia e adeptas da fé que se sujeitavam ao que o "cavalo" do espirito de luz dizia ser necessário. Ele não abusou de nenhuma artista famosa ou gente com acesso à mídia e televisão. E isso não enfraquece a denuncia, mas a fortalece, pois se o sujeito tivesse se esfregado em uma juliana paes ou xuxa da vida, elas teriam botado a boca no trombone na mesma hora. A atriz e cantora Alessandra Maestrini
 afirmou que ela poderia ter sido uma vítima. Ledo engano. Afinal o médium usava as famosas e famosos para ter visibilidade e usava as não famosas para saciar seus desejos.

A quinta é que a memória quase de imediato linka com o caso do médico Roger Abdelmassih que por conta de 52 casos de assédio contra 39 mulheres, foi condenado a mais de 180 anos de prisão e cumpre a pena em prisão domiciliar. E como praticamente todo mundo já esqueceu dele; é natural que mais cedo ou tarde, o mesmo ocorra com o tal João de Deus.

A sexta é de fundo religioso. Se o sujeito curava as pessoas, ou era efeito placebo ou de fato havia a intervenção de forças superiores. Se o sujeito estava sob controle dessas forças superiores e pela teoria são seres de luz e bons, porque não impediram o "cavalo" de atacar as pacientes? Se era efeito placebo, o sujeito de fato estava a praticar medicina sem ser médico o que é mais um crime a ser averiguado.

Se como disse a Federação Espirita, o medium perde o "poder" se usar para o mal, por assim dizer, porque esse "espíritos de luz" não alertaram outros médiuns sobre os crimes cometidos, sob o manto da religião e que se afastaram do dito cujo? - Ou, e isso é uma alternativa, se voce se basear no cristianismo bíblico; os ditos espíritos não eram de luz.

De qualquer forma, mais um criminoso que usando poder e controle fez centenas de mulheres vitimas.






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