Segue reportagem de VEJA sobre os realitys shows
Do Troca de Família ao BBB9, os reality shows renovam
os suplícios e humilhações impostos aos participantes.
E alguns já chegam a extremos perigosos
Na semana passada, o reality show Troca de Família, da Record, contrapôs os costumes de um lar argentino aos de uma família negra brasileira. "Como quase não há negros na Argentina, nós esperávamos reações racistas", diz o diretor Johnny Martins. Mas a mãe brasileira, transplantada para a outra casa, se deu bem com seus parentes postiços – e o produto final foi um programa morno. A situação ilustra o dilema dos produtores do Troca de Família. A atração (originada de um formato da rede americana Fox) explora os conflitos, digamos, antropológicos resultantes do intercâmbio entre clãs com valores diferentes. Após duas temporadas, contudo, a fórmula se tornou manjada. Os participantes, escaldados, tendem a posar de vestais da correção política. A estratégia da Record para driblar o problema foi radicalizar. A mulher de um delegado entrou em pânico ao ser despachada para uma colônia hippie (os cabeludos tentaram até extorqui-la). Uma palmeirense fanática assumiu o lugar da esposa do presidente da maior torcida organizada do arquirrival Corinthians. Num programa que vai ao ar em breve, apela-se para o bizarro: uma senhora católica passa uns tempos com um praticante de sadomasoquismo e seus filhos, que vivem numa boate paulistana em meio a jaulas, correntes e escravos sexuais.
O Troca de Família chega a extremos perigosos. No episódio que enfocou o intercâmbio entre torcedores de times rivais, a presença da mãe palmeirense na quadra da torcida rival causou tanto tumulto que ela teve de ser retirada às pressas. Na semana passada, os bispos da Record ainda decidiam se abortarão a transmissão de uma história que, no começo deste ano, terminou em tragédia. Nesse episódio, a participante Deborah expôs sua inusitada situação conjugal: seu marido, o roqueiro Oswaldo Vecchione, do jurássico grupo Made in Brazil, se dividia entre ela e uma amante. Deborah tinha histórico de depressão e se suicidou semanas depois da gravação. É impossível saber até que ponto o programa a afetou, se é que a afetou – mas expor uma pessoa com essa delicada condição psicológica revela, no mínimo, falta de critérios.
Desde o seu surgimento, há cerca de quinze anos, a fórmula do reality show se mostrou elástica. Há programas que abraçam o assistencialismo, como o Extreme Makeover – Home Edition, em que uma família necessitada ganha uma reforma em sua casa. O American Idol (do qual derivou o brasileiro Ídolos) rejuvenesceu os programas de calouros, e o American Inventor, dos mesmos produtores, tem até certo caráter edificante, enaltecendo o empreendedorismo. Há, ainda, as mil variações de gincanas sobre moda e decoração. Mas a nota dominante do gênero é a do voyeurismo sádico: os programas mais populares são aqueles que submetem as pessoas a toda sorte de provações. Voluntariamente, é claro: aparentemente, a fama passageira conquistada nesses programas compensa toda a degradação.
Os suplícios físicos sempre fizeram parte do Survivor, sucesso desde o início da década na televisão americana. Na gincana, refeições à base de vermes e insetos são corriqueiras. E também o risco de ferimentos: em sua edição mais recente, que se passa nos cerrados do Tocantins, um participante perdeu um dos dentes numa prova de mergulho. Nos chamados programas de transformação, apela-se a outra forma de terapia de choque: a humilhação. No 10 Anos Mais Jovem, que estreou há duas semanas no SBT, mulheres ganham plásticas e novos cortes de cabelo, mas antes têm de passar pela execração pública numa gaiola de vidro. Há também a tortura psicológica. O Big Brother Brasil 9 já se valeu de uma técnica militar de interrogatório – a privação sensorial, por meio do "quarto branco". As trombadas culturais do Troca de Família completam esse quadro da miséria humana.
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