Ia escrever um texto sobre o assunto. Ainda mais considerando que otimismo é bonito mas não enche a barriga de ninguem; as previsões de que o crescimento será próximo de 0 e não 4 por cento como preceituava o oráculo Lulês; apenas demonstram o que estamos sentindo na prática.
Mas acredito que o texto de Reinaldo Azevedo seja quase definitivo sobre o assunto e por isso o transcrevo abaixo:
Quando Lula afirmou que o tsunami financeiro chegaria no Brasil como uma marolinha, o que vimos? Uma marolinha de indignação para um tsunami de tolice.
Alguns se calaram por interesse. Outros por burrice. E um terceiro grupo se deixou mover por uma espécie particular de estupidez: o pensamento mágico. Como economistas erram aqui e ali — a exemplo de meteorologistas (menos os do aquecimento global, que acertam sempre, especialmente quando erram), médicos e videntes —, houve certo receio de admitir que o Brasil está inserido na economia global. E se Lula estivesse certo? “Afinal, ele é um homem que costuma contrariar o óbvio e as estatísticas”, cheguei a ler. Em algumas áreas do neopentecostalismo lulista, uma seita que reúne uns poucos fanáticos, alguns calculistas e uma esmagadora maioria de vigaristas, a crise ganhou o selo de “psicológica”. Isto mesmo: o mundo estava sendo sacudida pela maior crise desde 1929-1930, mas o Brasil resistiria intacto. Convinha não contrariar Lula. Afinal, quem tem 80% de popularidade pode decretar: “A crise não existe”. E, no entanto, a crise está aí.
Conheço o peso da intolerância com a crítica. Já fui até mesmo enquadrado num grupo acusado de cultuar o “pessimismo sombrio”. Um pessimista sombrio é assim: Lula diz que a crise será só uma marolinha, e o vitimado por essa moléstia moral responde: “Ih, acho que não.” Como vocês sabem, este escriba não é especialista em economia — de verdade, os meus adversários têm razão: não sou especialista em nada. Só tenho certo apreço pela lógica, que me serve como a lanterna de Diógenes. Só sou mais discreto em público quando contrariado. Ela me ajuda a não cair no mentira de pessoas dedicadas ou à autoflagelação ou à auto-exaltação. Eu ainda era de esquerda e já me protegia dessa vocação de Lula para ser porta-estandarte da escola de samba de um homem só. Aliás, quando trotskista, via o Apedeuta como uma derivação teratológica da luta pelo socialismo; quando deixei de ser trotskista, passei a vê-lo como uma derivação teratológica pura e simplesmente. Adiante.
Lula passou alguns bons anos chamando para si a responsabilidade pelo crescimento da economia mundial. Em um dos seus muitos arroubos de vulgaridade acintosa, que passam por descontração à brasileira, chegou a dizer que Deus tinha mesmo privilegiado “esse baianinho”. Ressentido porque apontassem que, afinal, apenas surfava na onda do crescimento mundial, aceitou abrir mão do mérito de ser a causa das virtudes desde que o considerassem um instrumento de Deus. Lula é assim: se não é o primeiro entre os homens, reivindica ser ao menos ser a segunda pessoa da Trindade.
“Se Lula, e não a economia mundial, é a causa do crescimento, então continuaremos a crescer, certo?, já que Ele continuará no meio de nós”. Não houve uma só vez em que tenha feito aqui tal ironia que não fosse perseguido por um tsunami de estupidez adesista. Que conseguia se agigantar ainda mais a cada rodada de pesquisas que indicavam recordes sucessivos de popularidade.
“Aí, tá com inveja (???), né?”
“Aí, choooora, minoria”.
Arrogante, Lula se oferecia para dar conselhos ao então presidente dos EUA, George W. Bush. A propósito: há certo desconsolo no mundo, agora que o diabo se aposentou... Depois que Obama assumiu e que mais um demiurgo se viu confrontado com a realidade, o mago nativo baixo um pouco o farol da prepotência. Agora, ele não dá mais conselhos; apenas reza pelo Mago do Norte...
Não! Lula não era “a” causa do crescimento, o que implica que também não é “o” responsável pela crise. Esse negócio de culpar o presidente por crises internacionais é coisa de petista, de vigarice política que manda às favas o interesse do país e mira apenas nas estratégias de tomada do poder e de ocupação do aparelho de estado. As oposições não caíram nessa — o que não quer dizer que não tenham sido, também, omissas na crítica. Omissão devidamente compartilhada com boa parte da imprensa. Que não puxou as orelhas de Lula nem mesmo quando saiu proclamando: “Compre, compre muito; se você comprar, a crise ficará longe de nós”. Acabará sendo um dos responsáveis, aí sim, por muito desempregado endividado.
LULA NÃO É O RESPONSÁVEL PELA CRISE, MAS É O RESPONSÁVEL POR TER ENGANADO O PAÍS. Há dois meses, ele e Guido Mantega, ministro da Fazenda, ainda insistiam no crescimento de 4% em 2009, o que todo o mercado considerava um delírio. Mas sem alarido. Afinal, como é mesmo?, “Lula sempre contraria as estatísticas e as previsões”... QUEM NÃO ENTENDE A CRISE, OU MENTE A RESPEITO, NÃO SE PREPARA PARA ELA. Eis o ponto.
O tsunami chegou, sim, ao Brasil, e Lula não pode nos deixar a herança do crescimento. Ele se foi, tragado por fatores que estão fora do alcance do Brasil. Mas há uma herança que ele nos deixa. E ela tem a sua assinatura, a sua marca inequívoca, as suas digitais. LULA NOS DEIXA A HERANÇA DO DESCONTROLE DE GASTOS. E PROMETE GASTAR AINDA MAIS. Entre 2003 e 2008, o dispêndio com pessoal e encargos sociais no Brasil saltou de R$ 98,9 bilhões para R$ 130,8 bilhões; os benefícios previdenciários pularam de R$ 139,7 bilhões para R$ 199,5 bilhões; o desembolso com custeio foi de R$ 94,5 bilhões para R$ 164,1 bilhões. Parcela considerável dessa gastança foi decidida quando o mundo já dava claros sinais de desequilíbrio. O mérito de Lula é ter atrapalhado pouco o crescimento quando o mundo crescia. E seu grande demérito é ter elevado brutalmente os gastos do governo mesmo depois de a crise ter mostrado as fuças.
Não é só isso...
Nos jornais e nas TVs, economistas das mais diversas correntes imploram ao Banco Central ousadia no corte da taxa de juros. Mesmo alguns que sempre consideraram quase uma sabotagem qualquer crítica à política monetária passaram a ver na decisão do Copom uma tábua de salvação — e, de fato, não vai salvar grande coisa, não agora. A POLÍTICA MONETÁRIA É A MAIOR EVIDÊNCIA DE QUE GOVERNO E BANCO CENTRAL ESTAVAM COM UMA LEITURA ERRADA SOBRE OS EFEITOS DA CRISE FINANCEIRA NO BRASIL. Não se trata de crucificar ninguém, mas de admitir o erro. É um passo importante para que não se erre de novo. Durante alguns meses, o Brasil foi tomado por várias loucuras diferentes, algumas opostas, mas combinadas:
- Lula e Mantega diziam que a crise seria amena no Brasil, que cresceria 4%;.
- ao mesmo tempo, a Fazenda pressionava o BC a baixar juros;
- o BC dizia que o problema não eram os juros, mas os gastos (o que também é verdade) e decidiu demonstrar que ninguém dava pitaco no Copom: "Aqui quem manda é nóis";
- temerosos de que a independência do BC fosse maculada pela Fazenda, certos setores passaram a usar o acerto para justificar o erro: até que o governo não cortasse gastos, não dava para ser mais agressivo no corte dos juros. Os gastos tinham e têm de ser controlados, o que não quer dizer que os juros não tivessem num patamar irrealista.
Em suma, a leitura macroeconômica estava errada. Os vários agentes do governo não entenderam a natureza da crise. E quem poderia fazer a crítica ou se ausentou (setores da oposição) com receio da popularidade de Lula ou preferiu adotar como conselheiro o clichê do avestruz: “se eu esconder a cabeça, o perigo passa”.
E notem: não obstante as dificuldades, a irresponsabilidade continua — ou, então, a depender do futuro, urde-se uma grotesca mentira. Lula e a ministra Dilma Rousseff estão prometendo um milhão de casas de graça. É isto mesmo: de graça. Com pagamento meramente simbólico — e a candidata já avisou: quem não puder não vai pagar. Creio ser a primeira vez na história em que um agente financiador de um benefício apresenta como seguro ao financiado o direito ao calote. Nunca antes nestepaiz...
QUAL É O IMPACTO FISCAL DE TAL MEDIDA SE EFETIVAMENTE IMPLEMENTADA? O MAIS PROVÁVEL É QUE NADA ACONTEÇA. Se Dilma vencer as eleições, o PT cumpre a promessa se e quando puder. Caso o vitorioso seja Serra, os petistas botarão na rua os sem-casa para que o tucano cumpra a promessa feita pelo antecessor. Que não terá constrangimento nenhum em dizer que, como é mesmo?, seu sucessor encontrou “a prateleira lotada de projetos”. Quem se empanturra com projetos em prateira são as traças.
O PAC e a crise
Cada um com as suas ilusões. Eu alimento uma, confesso. Em algum futuro, não sei quando, historiadores se debruçarão sobre esses dias e, então, poderão elaborar alguma teoria sobre momentos da história dos países em que uma espécie de ilusão coletiva se sobrepõe à realidade.
O inexistente PAC — SIM, O PAC NÃO EXISTE — não foi vendido apenas como o maior programa de obras da história brasileira. Não! Ele também era, assegurou-nos Dilma Rousseff, o instrumento de intervenção anticíclica, que permitiria ao Brasil passar quase incólume pela crise. E essa irrealidade continuará a ser brandida pelos palanques. E boa parte da imprensa especializada continuará a ignorar os números do programa. Pode parecer impressionante, mas, até agora, boa parte mesmo dos leitores de jornais e revistas, ignora que aqueles R$ 500 bilhões do PAC, depois transformados em mais de R$ 1 trilhão, nunca existiram. Nem existirão.
Encerro observando que há uma boa notícia, sim: O BRASIL NÃO VAI ACABAR. Aliás, o Haiti ou o Sudão são a prova de que países não acabam nunca. Hoje em dia, eles nem mesmo quebram. Ou, de fato, nunca quebraram. Peguem o caso da Argentina: fosse uma empresa, teria fechado as portas na crise que depôs Fernando de la Rúa. E há, sem dúvida, como VEJA demonstrou na edição retrasada, motivos para apostar que a crise, por aqui, será bem menos devastadora do que em outros países. Isso, em si, é bom e demonstra virtudes da economia brasileira que foram sendo construídas ao longo dos últimos 20 anos.
Essa perspectiva não nos pode impedir de apontar os erros cometidos pelo governo: sua insanidade na escalada dos gastos públicos; sua perspectiva irrealista em relação à crise, revelada pela política monetária e pelas previsões equivocadas; sua irresponsabilidade ao estimular o “compre, que o Lula garante”.
É claro que não cabia a Lula e ao governo liderar o cordão do pessimismo.Mas o que pode ganhar um país com o irrealismo dos governantes?
Nenhum comentário:
Postar um comentário