A crise longe do fim
Antes de mais nada, um show de didatismo (desconheço o autor) sobre a atual crise financeira dos EUA:
"O seu Biu tem um bar, na Vila Carrapato, e decide que vai vender cachaça 'na caderneta' aos seus leais fregueses, todos bêbados, quase todos desempregados.
Porque decide vender a crédito, ele pode aumentar um pouquinho o preço da dose da branquinha (a diferença é o sobrepreço que os pinguços pagam pelo crédito).
O gerente do banco do seu Biu, um ousado administrador formado em curso de 'emibiêi', decide que as cadernetas das dívidas do bar constituem, afinal, um ativo recebível, e começa a adiantar dinheiro ao estabelecimento tendo o pindura dos pinguços como garantia.
Uns seis 'zécutivos' de bancos, mais adiante, lastreiam os tais recebíveis do banco, e os transformam em CDB, CDO, CCD, UTI, OVNI, SOS ou qualquer outro acrônimo financeiro que ninguém sabe exatamente o que quer dizer.
Esses adicionais instrumentos financeiros alavancam o mercado de capitais e conduzem a operações estruturadas de derivativos na BM&F, cujo lastro inicial todo mundo desconhece (as tais cadernetas do seu Biu).
Esses derivativos estão sendo negociados como se fossem títulos sérios, com fortes garantias reais, nos mercados de 73 países.
Até que alguém descobre que os bebuns da Vila Carrapato não têm dinheiro para pagar as contas, e o Bar do seu Biu vai à falência. E toda a cadeia desmorona.''
*
O pacote de US$ 700 bilhões lançado pelo governo dos EUA no final de semana é uma atitude desesperada para tentar estancar a atual crise financeira.
Na prática, o governo Bush pediu autorização ao Congresso para aumentar o endividamento federal de US$ 10,6 trilhões para US$ 11,3 trilhões. A diferença (US$ 700 bilhões) será usada para garantir os papéis podres (lastreados nas tais "cadernetas do seu Biu") criados na ciranda financeira.
O plano enviado aos congressistas não chega a ter três páginas. É de propósito, a fim de dar ampla liberdade ao secretário do Tesouro, o ex-chefe do banco Goldman Sachs Henry Paulson, para tomar outras medidas que julgar necessárias no decorrer do processo.
Um dos pontos que deve gerar muita polêmica é o fato de o projeto prever que o Tesouro não possa ser responsabilizado judicialmente (nem que a Justiça reveja decisões tomadas) caso algo de errado ocorra em algumas das operações que venham a ser realizadas.
É bem ao estilo que marcou a gestão George W. Bush desde seu início: muito poder e pouca imputabilidade.
Se aprovado como proposto, o pacote criará uma situação totalmente anacrônica. Paulson terá superpoderes para gerir um caos que pode levar meses, sendo que em 20 de janeiro de 2009 os EUA empossarão um novo presidente --que poderá trocá-lo imediatamente.
No domingo, Paulson foi rápido ao declarar que o plano vale também para bancos estrangeiros cujas subsidiárias estão presas no emaranhado do mercado norte-americano (fato que não estava previsto inicialmente). A declaração teve como alvo estimular os europeus a criar pacotes semelhantes em seus quintais, ampliando as chances de uma rápida recuperação do sistema de crédito. Mas Alemanha e Reino Unido já descartaram onerar seus contribuintes com endividamentos maiores.
A montanha russa dos mercados na semana passada, com desvalorizações seguidas de valorizações na casa dos dois dígitos (algo totalmente estapafúrdio), dá uma boa noção de quão perdidos todos continuam nesta crise, que está ainda muito longe do seu fim.
O pacote emergencial e a montanha de US$ 700 bilhões impressionam e devem ter um efeito tranqüilizador, pelo menos.
Mas também sinalizam o que vem por aí nos EUA: mais rombos em uma dívida trilionária a serem pagos por uma economia mais endividada, descapitalizada e totalmente viciada, para se movimentar, em créditos e financiamentos --que agora estão em falta.
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