Artigo publicado na revista VEJA desta semana
As agências de avaliação de crédito desempenham um papel coadjuvante, mas fundamental, no sistema financeiro moderno. Elas aferem a capacidade de países e empresas pagarem seus débitos em dia. Essa função é chave na engrenagem das finanças porque, graças a elas, os investidores têm – em tese – a capacidade de saber se estão colocando seu dinheiro em uma aplicação confiável ou se correm o risco de comprar um grande mico. Por meio de modelos matemáticos e da análise de uma série de indicadores econômicos e contábeis, essas agências emitem notas, conhecidas em inglês como ratings. Quanto melhor o rating, mais confiável um investimento, dando ao emissor de uma dívida o direito de pagar juros mais baixos. Nesse vestibular financeiro, a melhor das avaliações é o triplo A. Da mesma maneira que em outras crises passadas, no entanto, mais uma vez essas agências de avaliação erraram feio e não perceberam o risco para o qual deveriam ter alertado, levando milhares de investidores a comprar gato por lebre.
Os títulos que foram empacotados em uma série de fundos de investimento criativos eram, até pouco tempo atrás, considerados aplicações extremamente seguras. Aproximadamente 80% dos papéis derivados (por isso, derivativos) de hipotecas tinham a classificação AAA conferida por alguma das três grandes agências de classificação de crédito – Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch Ratings. Outros 15% dos papéis tinham nota pelo menos A (isto é, de risco baixíssimo). Como se vê agora, essa segurança toda era uma ilusão. Existe uma montanha de títulos podres estimados em 1,5 trilhão de dólares que não encontram um comprador que seja, os quais intoxicaram o balanço dos bancos. Outro engano evidente foi o de ter mantido a seguradora AIG com avaliações positivas, apesar de suas dificuldades. Até um mês antes da intervenção federal na empresa, ela tinha nota AA, uma das melhores na escala.
Erros desse tipo são recorrentes porque a análise das agências se baseia em modelos matemáticos que podem deixar de fora variáveis importantes na hora de determinar o risco. No caso das hipotecas, ele foi projetado com base no comportamento dos tomadores de empréstimo nos anos de 2001 a 2003, período de excessiva valorização do mercado imobiliário, com taxas de inadimplência mais baixas, incompatíveis com o momento atual. As agências não alteraram seus parâmetros a tempo. "Outra falha foi não terem previsto o impacto que uma retração na liquidez dos mercados financeiros provocaria nos complexos papéis emitidos para dar lastro às dívidas hipotecárias", diz José Luiz Rossi Júnior, professor do Ibmec São Paulo. As agências defendem-se dizendo que não foram apenas elas que não conseguiram antecipar a deterioração do mercado hipotecário – os bancos também erraram aí. Segundo Charles Calomiris, da Universidade Colúmbia, houve complacência dos envolvidos: "Os emissores dos títulos e as agências atendiam aos interesses dos investidores, que desejavam classificações infladas para driblar as restrições regulatórias de seus fundos". Essa ciranda deu muito dinheiro enquanto a bolha durou. Agora, espera-se que as medidas que já estão sendo tomadas por órgãos de governo realmente tragam maior transparência nos critérios utilizados pelas agências de risco, que seguirão como agentes relevantes no mercado financeiro.
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