Fonte: The New York Times - de Jad Mouawad
O governo Obama deseja reduzir o consumo de petróleo, aumentar os suprimentos de energia renovável e diminuir as emissões de dióxido de carbono naquela que é a mais ambiciosa transformação da política energética no período de uma geração.
Mas as gigantes mundiais do setor petrolífero não estão convencidas de que isso funcionará. No momento em que Washington está imersa em um frenesi em relação ao setor de energia, muitas companhias de petróleo estão colocando-se à margem do processo, recusando-se a investir nas novas tecnologias apreciadas pelo presidente, ou até mesmo renegando compromissos que já assumiram.
No mês passado a Royal Dutch Shell anunciou que congelaria as suas pesquisas e investimentos em energia eólica, solar e de hidrogênio, e concentraria os seus esforços em energias alternativas na área de biocombustíveis. A companhia já vendeu grande parte da sua estrutura de energia solar e no ano passado cancelou um projeto para a construção da maior usina eólica marítima do mundo, perto de Londres.
A BP, uma companhia que passou nove anos alegando que estava deslocando-se "para além do petróleo", está na verdade retornando ao petróleo desde 2007, e reduzindo os seus programas de energia renovável. E as companhias petrolíferas norte-americanas, que sempre foram mais céticas do que as suas congêneres europeias em relação às fontes alternativas de energia, estão ignorando sistematicamente as novas mensagens que vêm de Washington.
"A meu ver, nada de fato mudou", afirmou Rex W. Tillerson, o diretor-executivo da Exxon Mobil, após a eleição do presidente Barack Obama. "Não nos opomos às fontes alternativas de energia e ao desenvolvimento delas. Mas apostar o futuro da energia do país somente nelas é algo que contradiz a realidade em tamanho e escala".
O governo deseja investir US$ 150 bilhões nos próximos dez anos para criar aquilo que chama de "um futuro energético limpo". O seu plano teria como objetivo diversificar as fontes de energia do país ao encorajar o uso de mais fontes renováveis, e ele também reduziria o consumo de petróleo e as emissões de carbono oriundas dos combustíveis fósseis.
As companhias de petróleo veiculam frequentemente propagandas expressando o seu interesse em novas formas de energia, mas os investimentos que elas de fato fazem na área contradizem as suas mensagens de marketing. O grosso do investimento dessas empresas destina-se às fontes tradicionais de petróleo, incluindo fontes de energia que emitem muito carbono, como areias betuminosas e gás natural proveniente de xistos, enquanto que os investimentos em fontes alternativas representam apenas uma fração minúscula dos gastos. Até o momento, essa situação pouco mudou durante o governo Obama.
"A proporção dos investimentos dessas empresas em energia alternativa é tão minúscula que é difícil localizar tais investimentos", afirma Nathanael Greene, analista político do Conselho de Defesa dos Recursos Naturais. "Essas companhias não sentem que precisam estar na liderança no setor de fontes alternativas".
Talvez não seja motivo de surpresa o fato de a maioria dos investimentos em fontes alternativas de energia não vir dos cofres das companhias petrolíferas.
Nos últimos 15 anos, as cinco principais companhias de petróleo investiram cerca de US$ 5 bilhões no desenvolvimento de fontes renováveis de energia, segundo Michael Eckhart, presidente do Conselho Americano de Energia Renovável, um grupo comercial do setor. De acordo com Eckhart, isso representa apenas 10% dos cerca de US$ 50 bilhões investidos neste período na área de energias limpas pelos fundos de capital de risco e investidores corporativos.
"As grandes empresas petrolíferas não consideram a energia alternativa um negócio de grande importância", afirma Eckhart. "Para elas trata-se de uma atividade periférica".
A Shell, por exemplo, diz que desde de 2004 investiu US$ 1,7 bilhão em projetos alternativos. Essa quantia foi eclipsada pelos US$ 87 bilhões que a companhia investiu durante o mesmo período nos seus projetos de petróleo e gás em todo o mundo. Neste ano, os investimentos totais da companhia serão de US$ 31 bilhões, e a grande maioria dessa quantia será destinada à exploração de combustíveis fósseis.
Os executivos do setor alegam que comparar os investimentos em projetos de petróleo e gás com as suas iniciativas para pesquisas no setor de energias renováveis é um equívoco. Eles afirmam que embora os combustíveis renováveis sejam necessários, eles ainda estão em um estágio inicial de desenvolvimento, e o petróleo continuará sendo a fonte dominante de energia durante décadas.
Nas suas previsões de longo prazo, a Exxon diz que, até 2050, os hidrocarbonetos - incluindo petróleo, gás e carvão mineral - responderão por 80% dos suprimentos mundiais de energia, o que equivale aproximadamente ao patamar atual.
"As energias renováveis são bastante reais", disse em um discurso em Nova York, em novembro do ano passado, David J. O'Reilly, diretor-executivo da Chevron. "Necessitamos delas. Essas fontes serão uma parte essencial do futuro que eu vislumbro. Mas não seria realista supor que sejamos capazes de substituir as fontes de energia convencionais de acordo com o cronograma sugerido por certas pessoas". De acordo com Alexander Yelland, um porta-voz da empresa, a Chevron investiu cerca de US$ 3,2 bilhões desde 2002 em "energias renováveis e alternativas e serviços de eficiência energética". Ela pretende investir US$ 2,7 bilhões até 2011 em diversos projetos, incluindo um que ajuda a melhorar a eficiência energética em companhias e agências governamentais.
Apesar do entusiasmo recém-surgido de Washington pelo verde, os executivos do setor argumentam que a substituição de qualquer parcela significativa da área de combustíveis fósseis demoraria década, na melhor das hipóteses. Segundo a Agência Internacional de Energia, apenas para acompanhar o crescimento da demanda pelas fontes convencionais de energia, os produtores necessitariam investir mais de US$ 1 trilhão por ano até 2030.
"Muitas dessas companhias percebem que o mundo está mudando", diz Daniel Yergin, diretor da Cambridge Energy Research Associates e historiador especializado no setor. "Mas o desafio para uma companhia muito grande é obter uma escala crítica. As pessoas tendem a esquecer como o setor de energia é grande".
O mundo consome cerca de 85 milhões de barris de petróleo por dia. Os Estados Unidos sozinhos exigiram seis vezes a sua área de terras aráveis - e 75% das terras cultivadas do mundo - para atender às suas necessidades energéticas com etanol produzido a partir de milho, segundo os cálculos de Vaclav Smil, especialistas em energia da Universidade de Manitoba.
E metas mais realistas e modestas estão se mostrando difíceis de serem alcançadas. Segundo os especialistas, a meta da legislação do congresso norte-americano referente ao etanol, que exige que as companhias petrolíferas utilizem 136 bilhões de litros de etanol até 2020, não poderá ser alcançada sem a aplicação de grandes avanços tecnológicos que ainda demorarão anos para surgir.
Para aumentar a oferta de combustíveis, muitas companhias estão voltando-se para as areias betuminosas do Canadá, ou convertendo carvão ou gás natural em combustíveis líquidos, tecnologias que emitem muito mais dióxido de carbono do que o petróleo convencional.
A Shell, que é uma grande investidora na província de Alberta, no Canadá, acredita que as reservas tradicionais de petróleo não serão suficientes para atender ao crescimento da demanda mundial de energia no decorrer dos próximos 50 anos. Em 2007, a BP investiu nas areias betuminosas canadenses, gerando críticas de que a empresa estaria "recarbonizando-se".
John M. Deutch, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e ex-diretor de Inteligência Central, diz que é inútil criticar as companhias de petróleo sem criar primeiro regras federais que estabeleçam um preço para as emissões de dióxido de carbono. Segundo ele, assim que isso ocorrer, as companhias adaptarão as suas estratégias.
"Que papel as companhias de petróleo desempenharão no futuro em termos de alternativa aos hidrocarbonetos convencionais? A resposta correta é que ninguém sabe", diz Deutch. "O mais importante é que o governo crie uma política de carbono. Podemos ter certeza absoluta de que as companhias de petróleo, bem como outras companhias, seguirão essa política".
Uma área na qual as companhias se concentram cada vez mais é a de fabricação de combustíveis líquidos a partir de plantas. A BP em breve construirá uma fábrica de demonstração na Flórida, na qual produzirá etanol feito com matéria vegetal; a Shell trabalha com várias firmas desde 2002 no sentido de fabricar etanol a partir de culturas que não são destinadas à produção de alimentos. No ano passado, ela fechou acordos com seis companhias, incluindo uma do Brasil, e decidiu abandonar as suas outras iniciativas na área de combustíveis renováveis para concentrar-se apenas nos biocombustíveis.
"Os biocombustíveis são a fonte de energia que está mais próxima do nosso negócio central", justifica Darci Sinclair, uma porta-voz da companhia.
Outras áreas também trazem promessas significativas para a indústria, como as tecnologias para a captura de emissões de dióxido de carbono e a sua armazenagem no subsolo, bem como programas de eficiência energética, especialmente no setor de transportes. A Exxon, que há muito tempo é a companhia de petróleo mais cética em relação às fontes alternativas de energia, está trabalhando em programas de longo prazo para aumentar a economia de combustível e reduzir as emissões.
No fim das contas, muitos analistas dizem acreditar que as companhias de petróleo estão aguardando o surgimento de uma tecnologia vencedora. Alan Shaw, diretor-executivo da Codexis, uma empresa de biotecnologia do Vale do Silício que trabalha com a Shell, diz que as companhias de petróleo não estão cegas para a nova realidade política, mas observa que elas estão também fazendo os seus negócios com o objetivo de obter lucros.
"Não perca as esperanças em relação às grandes empresas petrolíferas", diz Shaw. "Elas ainda não atingiram um ponto em que estejam prontas a investir, mas estão chegando lá. Creio que nos próximos dez anos elas investirão centenas de vezes mais do que investiram nos últimos dez anos".
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