Luiz Fernando Leone Vianna, para a Agência CanalEnergia, Artigos
06/04/2009
Recentemente participamos de um encontro promovido pelo Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Gesel/UFRJ), intitulado Seminário Cinco Anos do Novo Modelo: Realidade e Perspectivas para o Setor de Energia Elétrica. Além de um sucesso, refletido na participação das principais lideranças do setor elétrico e pelos relevantes temas tratados, o evento representou uma ótima oportunidade para uma reflexão sobre o passado bastante recente do setor a partir do racionamento de 2001/2002.
Quando falamos do novo modelo do setor elétrico, ou preferencialmente do modelo vigente, temos que nos reportar ao divisor de águas que foi o último racionamento ocorrido no País, a partir do qual, na Câmara de Gestão da Crise, foram iniciadas as discussões sobre as alterações necessárias no modelo. Mais precisamente, teríamos que retroagir um pouco, à época do Projeto RE-SEB, iniciado em agosto/96 e concluído em agosto/98, que teve na Lei 9.648, de maio de 1998, seu marco inicial.
Independentemente de onde queremos iniciar a reflexão, fica evidente que o acontecimento que se consagrou o maior pesadelo do segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso, o racionamento de energia elétrica, paradoxalmente passou a ser um grande trunfo para o governo Lula. A redução do consumo ocasionou, na época, significativo excedente de energia — o qual recentemente se mostrou de menos monta após a “descoberta” da não-existência de gás suficiente para as termelétricas oriundas do Programa Prioritário de Térmicas - PPT: na sua origem abrangia um total de 53 usinas térmicas, totalizando 19.290,3 MW, oriundos de diversas fontes termelétricas, mas que perdeu fôlego ao longo do caminho, ficando sua implantação bastante aquém da expectativa inicial ― proporcionando para a ministra Dilma e sua equipe tempo necessário para estudar e discutir com as instituições representativas do setor elétrico as alterações então necessárias no modelo.
Com isso, em dezembro/03 foi publicada a MP 144, que estabeleceu as bases do atual modelo setorial. As 766 emendas apresentadas revelou o interesse da sociedade em se ter um modelo estável, equilibrado, benéfico para o consumidor e atrativo para que os investimentos necessários acontecessem. A MP 144 foi aprovada na Câmara dos Deputados sem muitas novidades em relação à versão original, mas avançou bastante no Senado Federal, especialmente quanto às regras de transição, numa negociação bastante profícua entre os agentes, poder legislativo e governo. Em abril/04 foi publicada a Lei 10.848, marco singular do modelo vigente.
Neste artigo não pretendemos esgotar o assunto, mas apresentar o que entendemos terem sido os avanços do atual modelo (parte 1) e os desafios que ainda terão que ser enfrentados (parte 2). Entendemos como avanços:
(i) as regras de transição - destacamos a viabilização da comercialização de usinas, particularmente as hidrelétricas, concedidas sob o marco regulatório anterior, que se tornaram elegíveis a participar dos leilões como "energia nova", competindo em bases isonômicas mediante compensação do encargo devido pelo Uso do Bem Público (UBP);
(ii) separação entre fio e energia - o desmembramento da tarifa de fornecimento nos componentes fio e energia permite que o consumidor efetivamente saiba o quanto paga pelo produto energia elétrica; caminha-se também para a consolidação da necessidade de separação entre o produto energia elétrica e o serviço de aumento da segurança no suprimento energético;
(iii) retomada do planejamento - veio a partir da criação da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão de assessoramento do Ministério de Minas e Energia, que recuperou o planejamento não só elétrico, como energético, no País ― apesar das críticas muitas vezes formuladas ao Plano Decenal de Energia; na Geração a EPE proporciona o desenvolvimento de estudos de inventário, que em futuro próximo deverão viabilizar o aumento da oferta de novos empreendimentos hidrelétricos aptos a participarem dos leilões de energia nova; na Transmissão, trouxe a coordenação dos estudos de longo prazo e médio prazo, além de possibilitar a eliminação das principais restrições elétricas intra e entre submercados, bem como a gradativa interconexão dos sistemas isolados ao Sistema Interligado Nacional (SIN);
(iv) regulação técnica da transmissão - destacou-se a instituição da Parcela Variável, que sinaliza, via regulação por incentivos, a maximização da disponibilidade dos ativos de transmissão;
(v) realinhamento tarifário - proporcionou isonomia tarifária entre as diversas classes de consumo, através da eliminação dos subsídios cruzados; dessa forma, a energia passou a ter o real valor, dentro do conceito "vale quanto pesa";
(vi) leilões do mercado regulado - permitem coordenar 70% da expansão necessária, fazendo com que as distribuidoras passassem a manter uma contratação eficiente; além disso, os produtores independentes de energia acessaram efetivamente o mercado;
(vii) sistema de garantias financeiras da Câmara de Contratação de Energia Elétrica (CCEE) - propiciou o estímulo à contratação futura de energia; e
(viii) instituição do conceito de lastro - a contratação antecipada do lastro físico possibilitou adequação e segurança no suprimento.
Cabe destaque na retrospectiva aos leilões de energia realizados para suprimento do mercado, pois a inexistência de aproveitamentos hidrelétricos disponíveis ― motivados pela não-realização de inventários e pela forma com que empreendimentos hidrelétricos são tratados por algumas ONGs, setores do Ministério Público e órgãos licenciadores ― fez com que sua participação incremental na matriz energética, nos últimos cinco anos, fosse considerada pífia.
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