As denúncias de Denise Abreu, ex-diretora da Anac, sobre as lambanças praticadas pelo governo na venda da Varig ou a recente mudança promovida pela Anatel no Plano Geral de Outorgas para legalizar a compra da Brasil Telecom pela Oi (já que ela era ilegal) valem, por si mesmas, como crônicas do absurdo e expõem uma máquina governamental corroída pelo vício da corrupção, do compadrio, do tráfico de influência. Males, sem dúvida, antigos, mas que ganham uma dimensão particular com o PT. E é preciso que se aponte essa particularidade, o que pretendo fazer neste texto. Antes, uma constatação.
Vocês estão vendo a tabela acima? Ela indica o avanço da estatização da economia desde a chegada do PT ao poder. Em 2002, a participação acionária do estado no setor petroquímico era de 46%; no ano passado, já estava em 63%; nas termelétricas, saltou de 11% para 44%; na distribuição de combustíveis, foi de 24% para 32%. Os dados ilustram uma reportagem de Marcio Aith e Giuliano Guandalini, publicada na edição nº 2024 de VEJA, em 5 de setembro do ano passado (íntegra aqui — link aberto).
Encerrava-se assim o primeiro parágrafo daquele: “Voltaram com força as concepções, de resto testadas a reprovadas no passado, do ‘estado empresário’ e do ‘controle estratégico’ sobre setores econômicos. O capitalismo de estado fez sentido e teve seu auge no governo do general Ernesto Geisel (1974-1979). Hoje se tornou anacrônico por perdulário, ineficiente e por criar terreno fértil para a corrupção. Um sinal claro e recente do inchaço do estado surgiu de um número simbólico, a chegada a 1 milhão do número de funcionários da União.” Só para registro à margem: o texto lembrava a contratação do funcionário público federal de número 1.000.000. Isto mesmo: um milhão. Quando Lula chegou ao poder, havia 810 mil. Sozinho, ele aumentou o funcionalismo em 23,45%. Adiante.
Há uma questão que é, vamos dizer assim, estrutural, que independe, em larga medida, do caráter do governante: quanto maior é o estado, quanto mais ele se mete na economia, quanto mais interfere na produção e na distribuição de bens ou na oferta de serviços, tornando-se um agente, não apenas um ente regulador, maiores são as chances de corrupção. E nem poderia ser diferente: aumentam enormemente os poros por onde entram as demandas político-partidárias. Ora, por que os partidos querem tanto cargos de direção na Petrobras, na Eletrobras, nos Correios? Porque querem serviços exemplares? Não! Cargo nessas empresas significa a chance de negociar com fornecedores, entenderam? E a roubalheira se institucionaliza. Não custa lembrar que o mensalão, que quase derruba Lula, nasceu de um capilé cobrado por um funcionário dos Correios. Se mesmo um caráter reto corre o risco de se corromper num estado gigante, imaginem o que acontece quando ele é torto já de natureza...
Está em curso, sim, senhores, o que VEJA apontava naquela reportagem de setembro do ano passado: a opção pelo CAPITALISMO DE ESTADO, que vem embalado numa cascata ideológica de aparente nacionalismo: “Precisamos ter uma grande empresa nacional de telefonia”; “Precisamos ter uma (ou duas) grande empresa de aviação”; “Precisamos ter o controle do setor petroquímico porque é estratégico”. Precisamos... Em suma, eles querem ter o controle da economia, também a privada, por intermédio do controle do que chamam “setores estratégicos”. E por que o empresariado, que deveria concentrar os nossos “liberais”, não reclama? Porque esse estado forte também é um negociante e gosta de vender facilidades.
Isso tudo é feito assim, à matroca, sem nenhuma teoria? Um tanto à matroca é, mas teoria existe. É bastante influente na América Latina, hoje, uma tese denominada “Quarta Via”, formulada por um economista alemão que dá aula na Universidade Autônoma do México e é grande guru de Hugo Chávez: Heinz Dieterich. Sua teoria comporta certa elasticidade para compreender tanto o estatismo mais xucro e quase pueril do presidente venezuelano como o estatismo mais profissionalizado e aparentemente menos hostil ao mercado do lulo-petismo.
A “Quarta Via”, como o nome sugere, descarta as outras três: o socialismo (nos moldes soviético ou cubano), o capitalismo à americana e a social-democracia de modelo europeu. O que seria a alternativa pressupõe isto mesmo que se está construindo (ou reconstruindo, já que tivemos o geiselismo, né?) no Brasil: o estado disciplina o mercado, mas não por causa da sua força normativa. Ele passa a ser também um jogador. Mais: este não é um estado qualquer, aquele que Dietrich acusaria de “burguês”. Ao contrário: ele deve estar sob o chamado “controle popular”. A “sociedade organizada” — no caso de chavismo, os “bolivarianos”; no caso do Brasil, os sindicatos — é que comanda a máquina.
Vamos avançar um pouco mais. Dietrich não fica apenas nos considerandos de natureza econômica. A Quarta Via deve buscar a união da América do Sul — inclusive a militar — para fazer frente aos Estados Unidos. Sua proposta é um pouco mais ousada do que o Conselho de Defesa Sul-Americano proposto por Nelson Jobim: ele defende a união militar sul-americana. Lembrem-se que era exatamente o que Chávez queria. De toda sorte, a retórica brasileira na defesa do tal Conselho, se bem se lembram, pretende que as questões locais sejam resolvidas fora do âmbito da OEA — porque, afinal, os Estados Unidos estão na Organização dos Estados Americanos... Quando se formou o alinhamento contra a Colômbia por conta da morte do terrorista pançudo, foram os EUA que livraram Uribe no massacre diplomático.
Durante o regime militar, toda estatal tinha sempre um coronel no comando ou, ao menos, no conselho executivo — muitas empresas privadas também os contratavam porque isso abria portas no establishment militar-burocrático. Os “coronéis” da hora são os petistas. Eles já se espalham pelas estatais, onde permanecerão por um bom tempo mesmo que o PT venha a perder as eleições, e também já têm assento no conselho de empresas privadas. Quando começaram a falar que Lula nomearia Jorge Viana, ex-governador do Acre, para o lugar de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente, escrevi aqui: acho que Viana prefere ficar na Avibras, uma empresa privada de múltiplos interesses: de foguetes a veículos militares.
Sim, é preciso denunciar de maneira inequívoca a roubalheira como método de governo. E é preciso que se atente para o molde mais geral em que se encaixa a política lulista. Em setembro do ano passado, referindo-me ao capitalismo de estado à moda petista, escrevi: “Um estado gigante é também um estado mais poroso à ‘companheirização’. Na esfera política, com muito mais habilidade do que seus pares menos evoluídos na América Latina — os simiescos Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Corrêa —, Lula e seu partido atuam para tornar irrelevante a alternância de poder no país. Em certa medida, a sua anunciada pretensão de ser um novo Getúlio Vargas tem um quê além da bravata: o petista é realmente fascinado pelos defeitos do ex-ditador."
Vocês estão vendo a tabela acima? Ela indica o avanço da estatização da economia desde a chegada do PT ao poder. Em 2002, a participação acionária do estado no setor petroquímico era de 46%; no ano passado, já estava em 63%; nas termelétricas, saltou de 11% para 44%; na distribuição de combustíveis, foi de 24% para 32%. Os dados ilustram uma reportagem de Marcio Aith e Giuliano Guandalini, publicada na edição nº 2024 de VEJA, em 5 de setembro do ano passado (íntegra aqui — link aberto).
Encerrava-se assim o primeiro parágrafo daquele: “Voltaram com força as concepções, de resto testadas a reprovadas no passado, do ‘estado empresário’ e do ‘controle estratégico’ sobre setores econômicos. O capitalismo de estado fez sentido e teve seu auge no governo do general Ernesto Geisel (1974-1979). Hoje se tornou anacrônico por perdulário, ineficiente e por criar terreno fértil para a corrupção. Um sinal claro e recente do inchaço do estado surgiu de um número simbólico, a chegada a 1 milhão do número de funcionários da União.” Só para registro à margem: o texto lembrava a contratação do funcionário público federal de número 1.000.000. Isto mesmo: um milhão. Quando Lula chegou ao poder, havia 810 mil. Sozinho, ele aumentou o funcionalismo em 23,45%. Adiante.
Há uma questão que é, vamos dizer assim, estrutural, que independe, em larga medida, do caráter do governante: quanto maior é o estado, quanto mais ele se mete na economia, quanto mais interfere na produção e na distribuição de bens ou na oferta de serviços, tornando-se um agente, não apenas um ente regulador, maiores são as chances de corrupção. E nem poderia ser diferente: aumentam enormemente os poros por onde entram as demandas político-partidárias. Ora, por que os partidos querem tanto cargos de direção na Petrobras, na Eletrobras, nos Correios? Porque querem serviços exemplares? Não! Cargo nessas empresas significa a chance de negociar com fornecedores, entenderam? E a roubalheira se institucionaliza. Não custa lembrar que o mensalão, que quase derruba Lula, nasceu de um capilé cobrado por um funcionário dos Correios. Se mesmo um caráter reto corre o risco de se corromper num estado gigante, imaginem o que acontece quando ele é torto já de natureza...
Está em curso, sim, senhores, o que VEJA apontava naquela reportagem de setembro do ano passado: a opção pelo CAPITALISMO DE ESTADO, que vem embalado numa cascata ideológica de aparente nacionalismo: “Precisamos ter uma grande empresa nacional de telefonia”; “Precisamos ter uma (ou duas) grande empresa de aviação”; “Precisamos ter o controle do setor petroquímico porque é estratégico”. Precisamos... Em suma, eles querem ter o controle da economia, também a privada, por intermédio do controle do que chamam “setores estratégicos”. E por que o empresariado, que deveria concentrar os nossos “liberais”, não reclama? Porque esse estado forte também é um negociante e gosta de vender facilidades.
Isso tudo é feito assim, à matroca, sem nenhuma teoria? Um tanto à matroca é, mas teoria existe. É bastante influente na América Latina, hoje, uma tese denominada “Quarta Via”, formulada por um economista alemão que dá aula na Universidade Autônoma do México e é grande guru de Hugo Chávez: Heinz Dieterich. Sua teoria comporta certa elasticidade para compreender tanto o estatismo mais xucro e quase pueril do presidente venezuelano como o estatismo mais profissionalizado e aparentemente menos hostil ao mercado do lulo-petismo.
A “Quarta Via”, como o nome sugere, descarta as outras três: o socialismo (nos moldes soviético ou cubano), o capitalismo à americana e a social-democracia de modelo europeu. O que seria a alternativa pressupõe isto mesmo que se está construindo (ou reconstruindo, já que tivemos o geiselismo, né?) no Brasil: o estado disciplina o mercado, mas não por causa da sua força normativa. Ele passa a ser também um jogador. Mais: este não é um estado qualquer, aquele que Dietrich acusaria de “burguês”. Ao contrário: ele deve estar sob o chamado “controle popular”. A “sociedade organizada” — no caso de chavismo, os “bolivarianos”; no caso do Brasil, os sindicatos — é que comanda a máquina.
Vamos avançar um pouco mais. Dietrich não fica apenas nos considerandos de natureza econômica. A Quarta Via deve buscar a união da América do Sul — inclusive a militar — para fazer frente aos Estados Unidos. Sua proposta é um pouco mais ousada do que o Conselho de Defesa Sul-Americano proposto por Nelson Jobim: ele defende a união militar sul-americana. Lembrem-se que era exatamente o que Chávez queria. De toda sorte, a retórica brasileira na defesa do tal Conselho, se bem se lembram, pretende que as questões locais sejam resolvidas fora do âmbito da OEA — porque, afinal, os Estados Unidos estão na Organização dos Estados Americanos... Quando se formou o alinhamento contra a Colômbia por conta da morte do terrorista pançudo, foram os EUA que livraram Uribe no massacre diplomático.
Durante o regime militar, toda estatal tinha sempre um coronel no comando ou, ao menos, no conselho executivo — muitas empresas privadas também os contratavam porque isso abria portas no establishment militar-burocrático. Os “coronéis” da hora são os petistas. Eles já se espalham pelas estatais, onde permanecerão por um bom tempo mesmo que o PT venha a perder as eleições, e também já têm assento no conselho de empresas privadas. Quando começaram a falar que Lula nomearia Jorge Viana, ex-governador do Acre, para o lugar de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente, escrevi aqui: acho que Viana prefere ficar na Avibras, uma empresa privada de múltiplos interesses: de foguetes a veículos militares.
Sim, é preciso denunciar de maneira inequívoca a roubalheira como método de governo. E é preciso que se atente para o molde mais geral em que se encaixa a política lulista. Em setembro do ano passado, referindo-me ao capitalismo de estado à moda petista, escrevi: “Um estado gigante é também um estado mais poroso à ‘companheirização’. Na esfera política, com muito mais habilidade do que seus pares menos evoluídos na América Latina — os simiescos Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Corrêa —, Lula e seu partido atuam para tornar irrelevante a alternância de poder no país. Em certa medida, a sua anunciada pretensão de ser um novo Getúlio Vargas tem um quê além da bravata: o petista é realmente fascinado pelos defeitos do ex-ditador."
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