Nos parques de diversões antigos sempre havia uma casa de espelhos. Você se via gordo, magro, torto, de cabeça pra baixo, com a cabeça pequena ou muito grande...era diversão, mas em alguns casos os gordos se sentiam bem se vendo magros e o inverso servia as vezes de alívio, enfim...uma certa diversão com um ar de análise existêncial.
Quem tem experência na contratação de profissionais sabe que as descrições em currículos e entrevistas tem repetido o mesmo efeito das antigas casas de espelho. Peça que um candidato cite um defeito e invariavelmente ele citará algo que logo se transformará em qualidade, por exemplo, "me considero muito auto confiante"; ou "sou muito exigente comigo mesmo". A depender da situação, auto confiança é uma qualidade importante mas essa qualidade em demasia ou de tal forma dominante que se sobressaia a outras, pode ser classificada como arrogância. Como todo mundo sabe ou intui que declarar-se arrogante não é algo fácil de se fazer e pode fechar portas cria-se um eufemismo "excesso de auto confiança". Um defeito é trocado pelo excesso de uma qualidade. Uma forte auto exigência pode ser traduzida por perfeccionismo. A busca da perfeição que é uma qualidade hoje em dia impossivel de ser replicada por qualquer ser humano, demonstra uma clara insatisfação consigo mesmo, com as coisas a sua volta e com outros. Como é obviamente desagradável designar-se como alguem que nunca está contente a espera do impossivel, alguem que é dificil de se agradar, usa-se um eufemismo como ser exigente consigo mesmo.
E claro, no cotidiano observa-se o mesmo jogo de espelhos. Uma pessoa que é grosseira quanto trata outros, define-se como autêntica ou sincera. As pessoas confundem o método com o objetivo. Se é certo, esperado e desejado ser sincero no que se fala ou faz, o método pode inviabilizar o objetivo. Demônios encarnados em homens já causaram o inimaginável quando praticaram o mote de que "os fins justificam os meios"; quando na verdade os meios são o que condicionam a qualificação dos fins.
O mundo está cada vez mais solitário embora nunca estivemos tão ligados como nessa era, pelo menos virtualmente. Os homens estão cada vez mais encastelados em suas próprias visões de mundo embora nunca estivemos mais solidários com as causas alheias como nessa era, pelo menos virtualmente.
Em um mundo cada vez mais hedonista, no eterno jogo de espelhos entre o que somos e o que gostariámos que os outros vissem; estamos abandonando a realidade e vivendo a fantasia. Deixamos o mundo real e privilegiamos o mundo virtual.
De certa forma estamos a trocar o sono pela morte e com isso quem sabe sonhar...
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